terça-feira, 13 de setembro de 2011

We will forget


Não sei bem o porquê, mas quando comecei a escrever essa primeira frase dessa postagem, lembrei do Hobsbawm falando  no 'Era dos Extremos' sobre como ele a tinha a exata lembrança de voltar da escola na Berlim dos anos 30 e ler nos jornais que Hitler havia sido nomeado chanceler. Eu lembro exatamente daquela manhã de 11 de Setembro de 2001. Eu estava doente, com uma irritante faringite, o Pedro II estava de greve (para variar) e tinha dormido muito mal. Minha mãe veio me dar remédio e falou com a maior naturalidade "Parece que os Estados Unidos estão sendo atacados.". Eu ri, falei que ela estava delirando e liguei a TV. E ficamos os dois completamente perplexos assistindo àquilo tudo. Horas e horas. Mais tarde acabei melhorando e fui para o meu curso de alemão, lá no Centro. Inútil. O clima no Instituto Cultural Brasil-Alemanha foi o mais soturno possível, a minha professora de alemão começou a falar sobre como aquilo tudo que tinha acontecido lembrava ela dos bombardeios aliados à cidade dela, Augsburg.

10 anos depois, lendo sobre os eventos de lembrança da fatídica data, vendo as reportagens no Fantástico (incrivelmente superficiais, incrivelmente óbvias - o quão chato é ouvir aquela voz da Patrícia Poeta de professora-de-biologia-boazinha-dando-uma-notícia-triste-mas-com-uma-mensagem-feliz-no-final) engraçado perceber que o tempo passa, as lembranças ficam mas os discursos acabam mudando. Bush hoje em dia é um mero coadjuvante, o discurso oficial do presidente é bem menos "O-estilo-de-vida-democrático-e-livre-da-América-foi-atacado/Let's NUKE them!", Obama encarna o discurso inspirador chatinho de presidente americano mas em um tom bem mais light e Bloomberg é seguramente bem menos carismático de que Giuliani (afinal somente um imbecil proporia cortar a leitura dos nomes das vítimas nas próximas cerimônias - aquela encheção de saco de um monte de adolescente americano dentuço mal vestido cantando aquele hino irritante pode ter, mas o único momento em que cada um dos mortos é relembrado... ah, pode esquecer?!). O Afeganistão foi devidamente introduzido à sociedade moderna (afinal, quem precisa de hospital quando se tem Subway?); o Iraque é praticamente um resort babilônico em termos de tranquilidade e liberdade e o Paquistão continua sendo o mesmo lugar complicado de sempre.

Ironias a parte, acompanhando a reação de alguns amigos (americanos e não americanos), não pude deixar de pensar em uma coisa. Em como nos preocupamos com o que aconteceu em Nova York naquela manhã de Setembro de 2001. Triste foi, triste sempre será ver imagens como a clássica "The Falling Man" e não pensar por ao menos um segundo no pânico em que 2.606 pessoas viveram, algumas delas ao perceberem que não conseguiriam sair do prédio, algumas delas ligando para seus parentes e dizendo a última coisa que elas sabiam que iriam dizer, algumas delas tendo que fazer a cruel escolha entre a morte por asfixiamento ou a a queda livre em direção ao fim. Mas ainda assim... como nós nos preocupamos com o que aconteceu ali, naquela manhã de Setembro de 2011, nos emocionamos com os documentários e reportagem sobre o tema. E nem sequer nos lembramos do que aconteceu no dia 11 de Julho de 1995, quando cerca de 8 mil homens e meninos deram adeus para suas mães e irmãs e foram levados pelos sérvios, sob o complacente olhar das forças holandesas para Srebrenica. Ou fazíamos, o que a imprensa internacional divulgava (os preparativos para a Copa do Mundo, talvez?) nos primeiros dias de Abril de 1994 enquanto o Tenente-General Roméo Dallaire tentava convencer algum burocrata de Nova York que a crise em Ruanda era séria e que desencadearia na morte de somente 800.000 mil pessoas.

Impossível chamar uma morte pior do que a outra - afinal, para algum parente, irmão, primo daquela pessoa, aquele evento foi a fonte da pior dor que pode existir. Mas me incomoda, enquanto cidadão brasileiro, ocidental, que assiste a TV Globo e vê documentários e filmes no Multishow/History Channel/Fashion TV pensar que algum tipo de voz foi dada a quem morreu no WTC (O que elas pensaram? Quais foram seus últimos minutos? Quem sobreviveu?) e tantas outras histórias foram absolutamente ignoradas. Por que nos identificamos mais com os americanos? Por que valorizamos mais a vida de um americano? Por que conseguimos nos relacionar mais com a "tragédia vivida pelo povo americano" do com o que aconteceu em um pais tão não-desenvolvido como o nosso?

Justamente o nome de cada uma dessas pessoas que morreu será gradativamente esquecido. E o que ficará será o discurso oficial. O simbolismo. O monumento grandioso. A data onde as pessoas pararão durante 1 minuto para pensar em como vivem na melhor nação do Planeta.

Quanta idiotice.

P.S.- Terminando de escrever a monografia, sorry pelo desaparecimento e em caso de saudade desesperadora, sempre tem as minhas colunas quinzenais no Aqui só tem Bafon.

7 comentários:

Carla disse...

Ou como também esquecemos, só por exemplo, um também 11 de setembro, também terça-feira, mas de 1973, em Santiago, Chile... num processo de derrubada (com a devida ajuda yankee) de um governo democraticamente eleito, num processo tão parecido com tantos outros ...

Daniel Cassus disse...

Eu também estava coçando o saco em casa com a UFRJ em greve. 2002 foi o ano que eu tive 3 períodos.

Isso é aquela mesma coisa que eu falei no meu blog qdo voltei da europa (e tb não me conformo): estamos totalmente americanizados. Acho que o Brasil ficou preso em algum lugar entre 1930 e 1950. Me sinto naquele filme "For All" em que as brasileiras ficavam deslumbradas com batedeiras, liquidificadores e torradeiras elétricas.

Tiago disse...

A teoria da história trabalha muito, hoje em dia, esse conceito de lembranças e esquecimentos, como a memória oficial é seletiva e porque alguns fatos históricos são esquecidos e outros lembrados. Dá uma olhadinha no Pierre Nora (Les Lieux de Mémoire) e na Jeanne-Marie Gagnebin (Lembrar, Escrever, Esquecer).

Thiago disse...

O caso do 11 de Setembro foi mais divulgado por causa da mídia. É ela quem escolhe por quais vítimas vamos lamentar.

Alexandre Lucas disse...

Eu estava participando de uma greve dos estudantes das universidades federais.

Nícholas Vasconcelos disse...

Eu tinha acabado de mudar pra Campo Grande e meu maior drama era a falta do conforto da casa dos meus pais (qual a preocupação quando se tem 14 anos?).

Me lembra uma colega da faculdade que uma vez comentou "mas quem ser parecido com pobre?"Acho que o impacto foi mais forte porque era televisionado e tambem porque o brasileiro projeta no americano aquele sonho de país ideal que nunca vai ser.

No fundo, é tudo Casa Grande & Senzala.

Raiza disse...

Concordo contigo.É na construção da memória e do esquecimento que a gente vê quem tem poder.
Obs:Só uma coisa.Lá em cima não é comemoração."10 anos depois, lendo sobre as comemorações"?