Se “Brasil” fosse uma marca comercial, facilmente seria uma das mais valiosas do mercado atual. Por quê? Vamos fazer um exercício mental: você é uma criatura loira, branca (e com grande probabilidade de ser gordinha - vocês não entendem o dilema que é ir no mercado decidido a comprar maçãs
e outras frutinhas sem graça e super faturadas e semelhantes, olhar para a gôndola das maças por €5,00/quilo e olhar para a gôndola dos sorvetes maravilhosos por €1,30... também o quilo, pensar "Tá frio pra caralho mesmo, tô cheio de roupa, ninguém vai notar se eu estiver um pouco mais gordinho.", e mandar pra dentro do carrinho os sorvetes), mora num país onde o início da primavera já significa temperaturas caindo abaixo dos 15°C e quer se matar quando lembra que verão
mesmo só dali a 6 meses.
Then você abre uma revista, olha para a foto acima e lê sobre o estilo de vida de um povo feliz-bronzeado-sarado-e-botocado (sim, Angela Bismarchi é super conhecida ao redor do mundo, e deve já ter dado entrevista até para a Nepal TV falando sobre a sua cirurgia de reconstituição do hímen) que flana por praias paradisíacas e praticamente sem fim,
partying all the time e com o plus de terem a fama de serem ótimos na cama. E esse povo vive num país onde as oportunidades parecem multiplicar a cada momento (em enorme contraste com onde você mora, onde os anos dourados já se foram há muito tempo e "decadência" é a palavra mais usada para descrever a sua sociedade), com uma economia entre as que mais crescem no mundo, mas que ao mesmo tempo mantém um certo grau de civilização (relembrando: pode ser mesmo considerado democrático entre Rússia, Índia e China, hein?
Thanks god que pelo menos Tiririca pode ser eleito!).
Impossível conter a euforia e a expectativa, não é? ;)
A questão que me preocupa é até onde nós, brasileiros, acreditamos e entramos nessa imagem que o Brasil anda projetando para o mundo.
O diretor da revista Monocle e colunista do FT, Tyler Brûlé (#1: Sim, o nome é escrito dessa maneira bicha; #2: Sim, ele é bee e é um Pokemón mistura de estoniano e franco-canadense; #3: Morry quando li na Wikipedia que parece que ele “inventou” esses acentos no sobrenome dele), considerado um dos maiores
trendhunters (aka. gente que tem como rotina de trabalho viajar de um lado para o outro do mundo comendo, bebendo, vestindo o que ha de bom e de melhor para depois nos dizer o que nós deveriamos consumir) da imprensa internacional atual dedicou toda sua coluna no jornal inglês da semana passada a questão de como “
Brazil is good to go”. A primeira vista? Fantástico! Elogios sempre são tão bem vindos e impossível não se sentir um pouco "Ai, pára, vai... Continua elogiando!" quando uma pessoa de fora cita tanta coisa boa sobre o Brasil.
Mas num segundo momento, depois topar acidentalmente com o
post da Alexandra Forbes no blog “Boa Vida”, comecei a repensar o artigo. “
Sou totalmente da torcida ao favor e fico super feliz quando leio elogios ao Brasil, mas desta vez fiquei meio incomodada... Sei lá, ando enjoada de ler mil e uma matérias estrangeiras puxando o saco da mesma gente, enchendo a bola dos mesmos lugares.” Red Alert: se um blog de estilo de vida já reage "Fasano? Trancoso? Atala? Ainda isso?", hora de o (futuro) economista-chato de plantão sair da bolha dourada e colocar a cabeça para pensar.
Muito se fala sobre o choque de se
voltar de um país desenvolvido para o Brasil, mas poucas vezes eu li sobre aquilo que se sente ao se
chegar lá fora. Como brasileiro, eu posso falar sem sombra de dúvida que o meu maior choque ao chegar em Hamburgo foi aprender a viver numa sociedade
classe media. Ao mesmo tempo entender que muito estava agora ali, ao meu alcance financeiro, mas que ao mesmo tempo toda a gama de serviços e facilidades e privilégios que estamos mega acostumados não existe mais. (Meu melhor amigo alemão sempre se impressionava no Brasil com a quantidade enorme de caixas e atendentes em qualquer lojinha e restaurante, com pessoas empacotando suas compras e recolhendo suas bandejas nas praças de alimentação de shoppings, com os inúmeros serviços de
delivery - isso inexiste na Alemanha) Adaptar-se a uma cultura "
Trabalho humano é importante e caro demais para ser desperdiçado em tarefas tão imbecis / So do it yourself!", ter que pensar numa solução além da "
Dá pra contratar alguém para fazer isso?" (juro, que por mais consciente socialmente, mais proto-intelectual economista da UFRJ que eu fosse, eu soltei uma cara de "WHAT?!" a la Marie-Antoinette-sendo-conduzida-para-a-prisão-pré-guilhotina quando a administradora da residência estudantil me deu um balde de tinta branca, pincéis e falou "
Você tem dois dias para pintar todo o seu quarto.". Portanto, quatro dias antes de Fernando estar dando pinta no ICE/TGV a caminho da Paris, estava eu numa loja de produtos químicos em Hamburgo tentando transmutar a palavra "aguarrás" para o alemão e com uma mancha de tinta branca nos meus cabelos cacheados que não saía de jeito nenhum.), entender que não adianta se você tem grana para pagar duas, três ou vinte vezes o preço da entrada do clube: você vai ter que esperar na fila e passar pelo door control (que vai avaliar como você se vestiu e não quantos monogramas você expõe - escutar uma hostess falando para a minha amiga em sueco que não aguentava mais negar a entrada de turistas americanos que "achavam que camiseta Christian Audigier, jeans D&G e tênis Nike eram roupas adequadas para uma boate" enquanto nos deixava entrar - eu vestido de C&A brasileira + brechó Hamburgo + sapato, esse sim muito bom - me ensinou que sempre vale a pena tentar se vestir bem) pode ser bem mais difícil do que se parece.
Mas, um dos efeitos de se viver numa sociedade tão classe média (principalmente na Alemanha, onde o esporte nacional favorito - depois de falar mal dos holandeses - é criticar) é voltar chato, extremamente chato. Reclamando da comida, dos preços, das roupas, dos estilos oferecidos. De absolutamente tudo. A famosa síndrome (que o Alex Bez - que aliás, sumiu dos comentários - me alertou) da bicha "Fui-pra-Europa-e-voltei-chata-pra-caralho.
Em minha defesa: criticar é fácil, o difícil é tentar entender. E como eu adoro escrever muito, esse blog nunca foi muito preocupado com a quantidade de linhas de um post e esse assunto me incomoda, vamos analisar a questão.
Quando eu trabalhava na Alemanha com trendforecasting uma das questões mais discutidas no escritório (e que as grandes empresas mais buscavam saber) era a formação dos novos padrões de consumo das chamadas nações emergentes. Explicando: os padrões de consumo de uma nação (principalmente ligados aos serviços denominados de "premium") são relacionados com a maturidade da classe média que esse país conseguiu formar. Em linhas gerais, os mercados europeus são considerados "alta maturidade", onde não somente o produto, mas todos os seus "efeitos" são de relevância para o consumidor no processo de decisão de compra (questões relacionadas desde ao consumo verde, consumo consciente até a questão de como esses produtos são produzidos - Nike e a marca alemã Sprit sofreram sérios danos de imagem quando foi divulgado pela imprensa que seus produtos eram produzidos sob condições consideradas desumanas em países de terceiro mundo) e os mercados norte-americanos/japoneses de "média maturidade" (onde, por razões culturais, existe uma grande pressão cultural pelo consumo, um grande "fetiche" pelo produto em si muito mais do que a preocupação com a qualidade e como ele é produzidos - mas onde também as questões relacionadas a um consumo consciente já estão inseridas e ganhando espaço).
E os países emergentes? Países emergentes são basicamente países com classe média em formação, que saíram de um estado inicial de relativa desigualdade social (no caso brasileiro, relativa é um eufemismo dos mais extremos) e que atualmente vivenciam um período de "ascensão social". E que se reflete nos padrões de consumo: a tentativa ainda é de copiar os padrões de consumo dos países desenvolvidos, com grande fetiche pelo produto em si, e sem nenhuma grande reflexão sobre ele - o que é importa é o status que ele irá me trazer ("Estou usando um esmalte Chanel / Estou vestindo uma calça Diesel - sou parte de uma elite"), muito mais do que questões relacionadas ao custo e qualidade dessa mercadoria ofertada.
Retornando ao que eu quero falar: quando se muda de sociedade por uma quantidade considerável de tempo, impossível não "pegar" certas características da sociedade nova e internaliza-las. Sendo uma dessas características o "padrão de consumo", sair de uma sociedade onde o consumidor enxerga o produto ofertado de forma absurdamente crítica (uma das maiores influências na hora da compra para os alemães são as revistas especializadas em comparar produtos e classificá-los por desempenho, qualidade, necessidade e preço - nenhum alemão sai para uma compra maior do que 100€ sem ler pelo menos um artigo na internet de uma dessas revistas sobre o produto que quer e todos os vendedores sempre sabem exatamente listar todas as características do produto que estão vendendo) e voltar para uma sociedade onde o produto é enxergado pelo consumidor como uma chave para aceitação e felicidade dentro de um exclusivo e seleto grupo de escolhidos é no mínimo enlouquecedor, para não dizer frustrante.
E sinceramente, isso me incomoda. A falta de questionamento com o que se consume aqui no Brasil é absurda, principalmente no que diz respeito ao preço. Formação de preços é um tema mega complexo, envolve uma série de outras questões (como, por exemplo, a questão dos impostos), mas o meu objetivo aqui é questionar o ponto de como aceitamos serviços ruins por preços
altos. De desde uma Zara (que encaminha o que o Primeiro Mundo não quis consumir - produtos essencialmente de baixíssima qualidade - cobrando preços exorbitantes para ser vendido numa loja onde os vendedores ignoram você e se sentem como parte da elite do "
consumer retail" só porque trabalham vestidos de ternos fabricados na Tunísia) até restaurantes (que no Rio de Janeiro, sinceramente, são uma calamidade: uma viagem até SP deixa claro como o atendimento no Rio é nada menos que péssimo, pratos ruins e caros - tudo isso pago com o ar
cool tipicamente carioca de quem considera mal educado reclamar de que o serviço foi ruim e decide não pagar os 10%). Consumo, claro, parcelado em 10x no cartão, com taxas igualmente absurdas, mas que no final das contas damos um jeito de pagar e tudo continua exatamente do jeito que está.
Enfim, a leitura do artigo do Tyler Brûlé me faz pensar em que tipo de brasileiros ciceronearam esse cara por aqui, e que tipo de brasileiro ciceronearam vários europeus que eu encontrava pelas capitais européias e que vinham com esse discurso "
Brazil is just wonderful / Ipanema is simply THE paradise!", permeados por The Weeks, Reservas, Osklens e Spots da vida. De como realmente, cada vez mais, nos aproximamos daquela imagem do empresário chinês/russo com sua mulher a tiracolo que entra na Louis Vuitton em Paris e pede para descer a bolsa com o monograma mais exposto, mais berrante possível. E como, cada vez mais, eu vejo pessoas ao meu redor pagando preços absurdos e olhando para a minha cara, quando eu reclamo do preço desses produtos, com um certo olhar de "
Ou ele é muito judeu, ou isso é síndrome de quem não pode pagar e fica reclamando".
Temos muito mais de Vera Loyola, de
nouveau riche do que queremos imaginar. E sinceramente, não quero me conformar com um Brasil onde os serviços, restaurantes e lojas são
absolutamente maravilhosos pagando três vezes do que eles custam realmente.
Enfim, tudo se resume a questão de se queremos continuar acreditando que vivemos no lugar mais cool do mundo (e continuar tendo que parcelar absolutamente tudo no cartão, continuar tendo que ir para o exterior para "comer num lugar decente" ou "comprar roupas por preços decentes") ou realmente colocar um pouco dos pés no chão, criar um pouco mais de consciência crítica e quem sabe começar a demandar um pouco mais daquilo que nós é oferecido. (Exemplos? Os infames 10% cobrados por restaurantes e casas noturnas. Gratificação extra é a remuneração por um serviço
muito bom - porque o básico necessário, sorry to say, é mais do que a obrigação. Não se sentiu tocado pelo serviço e simpatia do garçom, o prato demorou, o pedido veio errado? Sem 10%, sorriso na cara, obrigado - porque ser educado é fundamental - e ponto final.)
(Enfim, é isso. Opiniões dos leitores, por favor.)
P.S.- Fundamental para a execução desse post também foi a leitura do excelente blog "
De Chanel na Laje", principalmente dos posts
1,
2 e
3. Super recomendo.