domingo, 31 de outubro de 2010

Eu voto no Serra porque....

1) Eu e Odete Roitman não aguentamos mais encontrar com brasileiros na Île Saint Louis (e queremos a volta do dólar custando muitíssimos reais)
Porque assim não pode, assim não dá: nós pagamos uma passagem aérea internacional, nos enfiamos num avião para cruzar o Atlântico e subir para o Hemisfério Norte (malditos portugueses: precisam ter navegado TANTO para fundar o novo país?), vestimos os nossos melhores casacos de pele para chegar em Paris ou Londres e topar com brasileiros falando "Olha AMORRR, o hidratante Victoria Secret tá por USD20! Será que dá pra levar 10?"?

E pasmem (pois se Odete visse isso, pegaria a arma de Leila e mataria ela a si mesma): nem na própria Île Saint Louis temos mais paz. Na minha última estadia em Paris, passeando pela Île Saint Louis em direção a Berthillon (sorveteria maravilhosa: os proprietários abrem quando querem, afinal é Paris, oui?), topo com fitinhas de tecido multicoloridas presas a uma porta de uma loja brilhante e iluminada, se movendo conforme os ventos do Sena de final de inverno. Chego mais perto e... meus olhos piscam de incredulidade.

Sabe aquela marca de pulseiras de resina Sobral (dieu: brasileiro adora uma resina, plástico e semelhantes!)? Então, abriram uma filial em Paris. Na Île Saint Louis! Fitinhas do Senhor do Bonfim na Île Saint Louis!

Isso precisa acabar. Urgente. Buenos Aires, Paris e Londres estão sendo destruídas pelos brasileiros. (E Miami, Aruba e Cancún? Pode deixar para os brasileiros mesmo - impossível ser sofisticado em qualquer praia fora do Mediterrâneo, brasileiro curte uma praia e é bom que eles fiquem por lá mesmo.)

2) Dilma é uma comunista de merda, terrorista de esquerda
Meus ancestrais (judeus holandeses) trabalharam bravamente, dia-e-noite, durante anos para fornecer dignidade e qualidade de vida para seus descendentes. Enquanto isso, esses índios ficavam dormindo em redes e descendentes de escravos batucando essas canções que deram para chamar ultimamente de música - e nada de aprenderem um ofício, algo de produtivo e útil. Aí chegam esses comunistas reclamando que "estamos nos apropriando do excedente produtivo dessas classes" e reclamando nossos bens e propriedades para a coletividade?

E a sociedade brasileira lutou bravamente pela defesa de valores como família e propriedade privada e contra esses insurgentes vermelhos que espalharam o terror e o sangue dos bravos defensores da Revolução gloriosa de 69. Insurgentes vermelhos que espalharam bombas e o terror vermelho sem dar ao menos chance de defesa aos militares, ameaçando a democracia da pátria Brasil! Os mesmos insurgentes que já dominaram o poder por oito anos e agora ameaçam voltar na figura principal de presidente da República? Onde está a Igreja? Onde está a sociedade brasileira? Onde está a Globo?!

3) Governo não tem que oferecer merda alguma 
O Gasto Público está nas alturas, e alguma coisa está melhorando? Nada! Está mais do que provado que a iniciativa privada é que precisa fornecer esse tipo de "auxílio social" - eu mesmo, freqüentemente participo de jantares beneficentes para ONG's que desenvolvem trabalhos excelentes. Ainda preciso pagar impostos?

Afinal, a Europa infelizmente já deixou claro que sistema de bem estar social não funciona, e nos EUA é assim: quer educação? Paga! Quer plano de saúde? Paga! E todo mundo continua imigrando para lá, não é? E porque nós temos que fazer diferente? Porque EU tenho que continuar financiando programa de de assistência social de flagelado da Seca lá do Nordeste? Já financio a Cleidete, fornecendo emprego a uma pessoa que mal sabe ler e não consegue de forma alguma simplesmente reproduzir qualquer uma das minhas receitas de culinária francesa.

4) Acho que o Brasil já cresceu rápido demais mesmo e a taxa de juros precisa voltar a subir
E taxa de juros alta é bom porque impede que o fantasma da inflação volte - eu mesmo li isso semana passada na Exame. Realmente, essa farra de crédito já chegou longe demais: os aeroportos viraram currais, com aquele bando de classe C embarcando felizes da vida com suas malas de material inferior nos vôos em direção ao Nordeste com passagens pagas em 9x sem juros. Quem está pagando isso? Nós. NÓS!


5) Acho que tem que privatizar tudo mesmo
Porque está mais do que provado que a iniciativa privada faz tudo muito melhor mesmo. Afinal, lembram do caos que era conseguir uma simples linha de telefone celular? E daí que temos as maiores tarifas de telefonia do mundo: para quê pobre quer falar no telefone? E todo mundo vive com telefone pré-pago, certo? Portanto, muito melhor do que esta antes.

Enfim, é isso. O Brasil realmente está impossível de se viver. Mon dieu...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A crise dos 25

Certos cientistas defendem a teoria que o ser humano chega ao seu ápice vital por volta dos 25 anos. Um pouco mais, um pouco menos, mas quase sempre por volta dos 25 anos. Seria quando as capacidades sexual, física e intelectual atingem o seu nível máximo. E a partir de quando o organismo começa efetivamente a... envelhecer.

Pessoalmente eu tenho achado essa fase um saco. Primeiro, quando eu penso que com bem menos da minha idade Rimbaud já tinha escrito a maior parte da sua obra essencial, Toulouse-Lautrec já estava pintando fantasticamente e Neymar já tinha dinheiro suficiente para esbanjar com jóias idiotas de grama para jornalistas chatas, eu fico deprimido. Segundo, quando chega aquele pessoal de 40 e muitos mandando um “Ah, tão novinho! Tem tanta coisa pela frente ainda! Você ainda não viveu nada da vida!” bate um pânico meio “Porra, o que aconteceu até agora foi só um teaser?!”. E terceiro, ninguém lembra que essa fase coincide exatamente com a fase de tomar as decisões “que irão determinar o seu futuro por um longo prazo”. O que sinceramente me deprime para caralho. E aí é esquecer a dieta, comprar o Twix, o pacotão de 1kg de Doritos e uma garrafa giga de Fanta Uva (meu gosto para refrigerantes não evoluiu dos 5 anos - quanto mais corante e com mais gosto artificial, melhor) e ficar no sofá obcecado pensando “O que eu faço? O que eu faço?!”

Primeiro foi o intercâmbio – decisão de abandonar estágio onde eu estava, mudar de país por tempo indeterminado, na obrigação de ter que arranjar um emprego, viagem auto-sustentada, “e se der errado?”, “e se eu odiar a Europa?”, ter que voltar ao Brasil, ter que aturar a minha mãe me sustentado por tempo indeterminado – que acabou acontecendo, legal, aprendi para caralho, voltei, me readaptei à bagunça e a fingir que adoro sambinha na Lapa e “jamais consegui viver direito na Europa sem feijão”, conseguir estágio de novo no Brail, voltar para a Zona Sul. Ponto. Parágrafo.

Mas claro, as questões voltam. Os pontos de interrogação se colocam na sua frente. E você se sente como num daqueles programas de auditório, nos quais você tem um tempo determinado para responder uma pergunta. E aí? E aí?

Uma das facetas desse dilema veio bem forte nos últimos dias na parte pessoal. Amizade sempre foi uma das maiores prioridades na minha vida, e sempre me gabei de ter amigos simplesmente foda. Mas desde que eu voltei do meu intercâmbio na Europa parecia que algo tinha se modificado na minha relação com alguns amigos. Eu não sentia mais aquela conexão intensa que outros tempos, que me fazia querer procurar essas pessoas. Parecia que o papo tinha se tornado chato, não havia mais aquela transmissão de idéias e pensamentos que caracteriza uma boa amizade. Eles reclamavam que tudo o que eu sabia fazer era reclamar. E eu tinha vergonha de pensar que eu os achava chatos. MUITO chatos. E limitados. E cabeça fechada para a vidinha de estudante universitário de federal de classe média do Rio. E que tinha muitas saudades dos meus amigos dos tempos de Erasmus.

Enfim, a fase inicial de readaptação passou (na verdade, com alguns desses amigos nem essa fase existiu), mas com alguns amigos esse sentimento incômodo prosseguiu. E eu não soube lidar com isso, fiz algumas merdas (confesso), e com uma grande amiga em especial a amizade entrou em estado de “on hold”. E mesmo depois de “termos resolvido as coisas”, continuou a sensação de incômodo, de “formalidade informal” que sinceramente não sei se foi ocasionada pela merda que eu fiz ou por algo pior: a grande verdade de que não temos mais nada muito em comum. Nem interesses, nem idéias sobre grandes temas da vida, nem sobre como conduzir a vida. E uma frase da Danuza fica martelando na minha cabeça “Amigos são que nem banco – periodicamente necessitam passar por um recadastramento”. Mas aí então eu relembro dos grandes momentos que vivemos, das viagens e do mega carinho que ela já teve por mim e vem questões de lealdade e de “tentar pelo menos”. Que logo depois são sobrepostas pela pergunta “Quero realmente tentar? Quero continuar insistindo uma amizade verdadeira com amigos que não me entendem?”. Enfim...

E sobre o lado profissional, vieram as famosas escolhas. Passei 6 meses pensando em entrevistas de emprego chatérrimas para finalmente conseguir o sonho dourado de todo estudante de Economia do país: cargo de estagiário (com chances de efetivação!) numa verdadeira multinacional brasileira em um dos setores mais promissores que a Você S/A poderia imaginar. Salário digno (com alguns benefícios), rotina de trabalho motivante, equipe de trabalho legal pra caralho e com o plus do gerente da área simplesmente ir com a minha cara já na primeira semana. E quando sento na minha mesinha, ligo o meu computador com o meu papel de parede já escolhido (muito pode-se dizer sobre a personalidade de uma pessoa com relação no papel de parede que ela escolhe para o seu desktop – o meu era uma foto da estação central de Hamburgo que já usei num post, e do meu colega de trabalho mais próximo era de um carro americano que ele queria terzzzzzzzzzzzzzz) e penso “Tudo indo bem!”, toca o telefone e surprise: uma outra empresa oferece uma vaga de emprego. E-M-P-R-E-G-O. Multinacional européia com escritório no Rio. Dobro do salário, benefícios que me fazem imaginar fazendo a Scarlett O'Hara. Chance de carreira realmente internacional. (A volta dos meus posts de viagem!!!) Usar o alemão no meu dia-a-dia profissional (Atóro quando eu recebo elogios “O seu alemão é tão bom!”, e eu faço aquela carinha de “Ai, pára... Fala mais, vai!”). Flexiblidade de horários do escritório para me permitir terminar a (maldita) faculdade de Economia.

E o que escolher? Qual dos dois caminhos tomar? O que realmente vai me fazer chegar aos 40, olhar para trás e pensar “Eu fiz certo: era isso que eu queria!”? Ou será que momento de reflexão aos 40 é uma das maiores besteiras do mundo, afinal 40 representa quase ainda metade de uma vida inteira pela frente? (Sempre lembro das velhinhas alemãs em estações de trem, com suas malas de viagem, camisetas pólo e aquele ar saudável de quem viajava muito de férias em contraste aos alemães engravatados de 30 e poucos anos, estressados e permanentemente culpados pelo excesso de trabalho e falta de tempo para aproveitar a vida)

Definitivamente a resposta universal aos 20 e alguns anos é: “Não sei.”.

Mas a gente tem outra opção, a não ser continuar tentando?

(Mas lembrando-se: caindo sim - mas carão forever.)

P.S.- Provas, provas, muitas provas.
P.S.2 – Não se preocupem, as escolhas já foram tomadas. :D
P.S.3 – Boring, parte 2. :D

sábado, 16 de outubro de 2010

Paçado!

Esperando Vale Tudo começar no Viva (thanks Vertvonline!!!) e não descubro que é Carmo dall Vecchia já era vivo em Engraçadinha (amo séries tão putonas, para onde elas foram?!)!

Choquei! Carreira de ator é braba mesmo, hein...

P.S.- Pro povo mais "vivido" aí - o que exatamente faz um "operador de telex"?

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Eleições e "O que queremos?"

“Contradição” é realmente uma palavra que define a sociedade brasileira. O conservadorismo de uma classe média “orgulhosamente branca e católica” sempre conviveu sem maiores problemas com a devassidão e loucura que imperam durante festas como o Carnaval no país. A mesma nação que forma o maior grupo de católicos é a que apresentou uma das maiores taxas de aceitação das pílulas anticoncepcionais no mundo. E assim a sociedade brasileira sempre continuou seguindo em frente: hipócrita e santa-do-pau-oco por fora, mas sempre devassa por dentro e por isso, com algum grau de tolerância às modernidades e evoluções que aconteciam ao redor do mundo.

Isso mudou. O debate para o segundo turno nessas eleições deixou bem claro que, não obstante o “crescimento econômico do país” e “expansão da classe média”, estamos caminhando para o conservadorismo. A passos largos. Os dois estados mais importantes, cosmopolitas, educados, desenvolvidos e modernos do país (Rio de Janeiro e a world city de São Paulo) tiveram suas campanhas para senadores dominadas diretamente pela questão religiosa. De novo: não estamos falando de regiões rurais, conservadoras e tradicionais por natureza – estamos falando das duas metrópoles nacionais, declarando o que pensam.

Obviamente como economista não dá para ignorar o fato de que a exclusão social gera o horrível fenômeno de dentro dessas duas cidades existirem mundos tão distintos, que pensem de forma tão absurdamente discrepante sobre temas tão “so last decade”. E nas parcas ocasiões onde temos que pensar “conjuntamente” sobre determinado tema, não é nada inesperado pensar que o Rio e SP, em sua maioria, sejam muito mais conservadores do que Ipanema e os Jardins deixam transparecer.

Acho que essas eleições deixaram bem claro que nós, gays brasileiros informados e emancipados, falhamos enormemente na busca pelos nossos direitos. Falhamos enormemente em realmente acreditar que conseguiríamos visibilidade sem associação à movimentos políticos, realmente acreditando nessa besteira imbecil de apoliticidade e apartidarismo que o neoliberalismo e o pós-modernismo tão intelectualmente pregou nas últimas décadas. Falhamos enormemente em nos isolar nos nossos clusters de desenvolvimento e tolerância, e nos gabar com títulos imbecis como “Principal destino gay do mundo” sem pensar no que estávamos efetivamente fazendo para mudar a mentalidade da população brasileira.

Hora de acordar. A sociedade está mudando e não estamos fazendo nada. Absolutamente nada.

Adendo: E como esse blog tem (ainda) uma temática essencialmente germânica, impossível não mencionar o exemplo de Berlim em 1920 e relembrar que uma simples década foi o tempo que para que o “inofensivo movimento nacional-socialista” levou para esvaziar a capital cultural e liberal da Europa moderna e civilizada para enfileirar boa parte dos seus integrantes em Buchenwald e Neuengamme. Uma década.

O tempo passa e sociedades mudam muito mais rápido do que podemos imaginar. E com certeza muitos dos integrantes da primeira foto pagaram caro por não entenderem isso.

domingo, 10 de outubro de 2010

Sobre o Brazilian Style

Se “Brasil” fosse uma marca comercial, facilmente seria uma das mais valiosas do mercado atual. Por quê? Vamos fazer um exercício mental: você é uma criatura loira, branca (e com grande probabilidade de ser gordinha - vocês não entendem o dilema que é ir no mercado decidido a comprar maçãs e outras frutinhas sem graça e super faturadas e semelhantes, olhar para a gôndola das maças por €5,00/quilo e olhar para a gôndola dos sorvetes maravilhosos por €1,30... também o quilo, pensar "Tá frio pra caralho mesmo, tô cheio de roupa, ninguém vai notar se eu estiver um pouco mais gordinho.", e mandar pra dentro do carrinho os sorvetes), mora num país onde o início da primavera já significa temperaturas caindo abaixo dos 15°C e quer se matar quando lembra que verão mesmo só dali a 6 meses. Then você abre uma revista, olha para a foto acima e lê sobre o estilo de vida de um povo feliz-bronzeado-sarado-e-botocado (sim, Angela Bismarchi é super conhecida ao redor do mundo, e deve já ter dado entrevista até para a Nepal TV falando sobre a sua cirurgia de reconstituição do hímen) que flana por praias paradisíacas e praticamente sem fim, partying all the time e com o plus de terem a fama de serem ótimos na cama. E esse povo vive num país onde as oportunidades parecem multiplicar a cada momento (em enorme contraste com onde você mora, onde os anos dourados já se foram há muito tempo e "decadência" é a palavra mais usada para descrever a sua sociedade), com uma economia entre as que mais crescem no mundo, mas que ao mesmo tempo mantém um certo grau de civilização (relembrando: pode ser mesmo considerado democrático entre Rússia, Índia e China, hein? Thanks god que pelo menos Tiririca pode ser eleito!).

Impossível conter a euforia e a expectativa, não é? ;)

A questão que me preocupa é até onde nós, brasileiros, acreditamos e entramos nessa imagem que o Brasil anda projetando para o mundo.

O diretor da revista Monocle e colunista do FT, Tyler Brûlé (#1: Sim, o nome é escrito dessa maneira bicha; #2: Sim, ele é bee e é um Pokemón mistura de estoniano e franco-canadense; #3: Morry quando li na Wikipedia que parece que ele “inventou” esses acentos no sobrenome dele), considerado um dos maiores trendhunters (aka. gente que tem como rotina de trabalho viajar de um lado para o outro do mundo comendo, bebendo, vestindo o que ha de bom e de melhor para depois nos dizer o que nós deveriamos consumir) da imprensa internacional atual dedicou toda sua coluna no jornal inglês da semana passada a questão de como “Brazil is good to go”. A primeira vista? Fantástico! Elogios sempre são tão bem vindos e impossível não se sentir um pouco "Ai, pára, vai... Continua elogiando!" quando uma pessoa de fora cita tanta coisa boa sobre o Brasil.

Mas num segundo momento, depois topar acidentalmente com o post da Alexandra Forbes no blog “Boa Vida”, comecei a repensar o artigo. “Sou totalmente da torcida ao favor e fico super feliz quando leio elogios ao Brasil, mas desta vez fiquei meio incomodada... Sei lá, ando enjoada de ler mil e uma matérias estrangeiras puxando o saco da mesma gente, enchendo a bola dos mesmos lugares.” Red Alert: se um blog de estilo de vida já reage "Fasano? Trancoso? Atala? Ainda isso?", hora de o (futuro) economista-chato de plantão sair da bolha dourada e colocar a cabeça para pensar.

Muito se fala sobre o choque de se voltar de um país desenvolvido para o Brasil, mas poucas vezes eu li sobre aquilo que se sente ao se chegar lá fora. Como brasileiro, eu posso falar sem sombra de dúvida que o meu maior choque ao chegar em Hamburgo foi aprender a viver numa sociedade classe media. Ao mesmo tempo entender que muito estava agora ali, ao meu alcance financeiro, mas que ao mesmo tempo toda a gama de serviços e facilidades e privilégios que estamos mega acostumados não existe mais. (Meu melhor amigo alemão sempre se impressionava no Brasil com a quantidade enorme de caixas e atendentes em qualquer lojinha e restaurante, com pessoas empacotando suas compras e recolhendo suas bandejas nas praças de alimentação de shoppings, com os inúmeros serviços de delivery - isso inexiste na Alemanha) Adaptar-se a uma cultura "Trabalho humano é importante e caro demais para ser desperdiçado em tarefas tão imbecis / So do it yourself!", ter que pensar numa solução além da "Dá pra contratar alguém para fazer isso?" (juro, que por mais consciente socialmente, mais proto-intelectual economista da UFRJ que eu fosse, eu soltei uma cara de "WHAT?!" a la Marie-Antoinette-sendo-conduzida-para-a-prisão-pré-guilhotina quando a administradora da residência estudantil me deu um balde de tinta branca, pincéis e falou "Você tem dois dias para pintar todo o seu quarto.". Portanto, quatro dias antes de Fernando estar dando pinta no ICE/TGV a caminho da Paris, estava eu numa loja de produtos químicos em Hamburgo tentando transmutar a palavra "aguarrás" para o alemão e com uma mancha de tinta branca nos meus cabelos cacheados que não saía de jeito nenhum.), entender que não adianta se você tem grana para pagar duas, três ou vinte vezes o preço da entrada do clube: você vai ter que esperar na fila e passar pelo door control (que vai avaliar como você se vestiu e não quantos monogramas você expõe - escutar uma hostess falando para a minha amiga em sueco que não aguentava mais negar a entrada de turistas americanos que "achavam que camiseta Christian Audigier, jeans D&G e tênis Nike eram roupas adequadas para uma boate" enquanto nos deixava entrar - eu vestido de C&A brasileira + brechó Hamburgo + sapato, esse sim muito bom - me ensinou que sempre vale a pena tentar se vestir bem) pode ser bem mais difícil do que se parece.

Mas, um dos efeitos de se viver numa sociedade tão classe média (principalmente na Alemanha, onde o esporte nacional favorito - depois de falar mal dos holandeses - é criticar) é voltar chato, extremamente chato. Reclamando da comida, dos preços, das roupas, dos estilos oferecidos. De absolutamente tudo. A famosa síndrome (que o Alex Bez - que aliás, sumiu dos comentários - me alertou) da bicha "Fui-pra-Europa-e-voltei-chata-pra-caralho. 

Em minha defesa: criticar é fácil, o difícil é tentar entender. E como eu adoro escrever muito, esse blog nunca foi muito preocupado com a quantidade de linhas de um post e esse assunto me incomoda, vamos analisar a questão. 

Quando eu trabalhava na Alemanha com trendforecasting uma das questões mais discutidas no escritório (e que as grandes empresas mais buscavam saber) era a formação dos novos padrões de consumo das chamadas nações emergentes. Explicando: os padrões de consumo de uma nação (principalmente ligados aos serviços denominados de "premium") são relacionados com a maturidade da classe média que esse país conseguiu formar. Em linhas gerais, os mercados europeus são considerados "alta maturidade", onde não somente o produto, mas todos os seus "efeitos" são de relevância para o consumidor no processo de decisão de compra (questões relacionadas desde ao consumo verde, consumo consciente até a questão de como esses produtos são produzidos - Nike e a marca alemã Sprit sofreram sérios danos de imagem quando foi divulgado pela imprensa que seus produtos eram produzidos sob condições consideradas desumanas em países de terceiro mundo) e os mercados norte-americanos/japoneses de "média maturidade" (onde, por razões culturais, existe uma grande pressão cultural pelo consumo, um grande "fetiche" pelo produto em si muito mais do que a preocupação com a qualidade e como ele é produzidos - mas onde também as questões relacionadas a um consumo consciente já estão inseridas e ganhando espaço). 

E os países emergentes? Países emergentes são basicamente países com classe média em formação, que saíram de um estado inicial de relativa desigualdade social (no caso brasileiro, relativa é um eufemismo dos mais extremos) e que atualmente vivenciam um período de "ascensão social". E que se reflete nos padrões de consumo: a tentativa ainda é de copiar os padrões de consumo dos países desenvolvidos, com grande fetiche pelo produto em si, e sem nenhuma grande reflexão sobre ele - o que é importa é o status que ele irá me trazer ("Estou usando um esmalte Chanel / Estou vestindo uma calça Diesel - sou parte de uma elite"), muito mais do que questões relacionadas ao custo e qualidade dessa mercadoria ofertada.

Retornando ao que eu quero falar: quando se muda de sociedade por uma quantidade considerável de tempo, impossível não "pegar" certas características da sociedade nova e internaliza-las. Sendo uma dessas características o "padrão de consumo", sair de uma sociedade onde o consumidor enxerga o produto ofertado de forma absurdamente crítica (uma das maiores influências na hora da compra para os alemães são as revistas especializadas em comparar produtos e classificá-los por desempenho, qualidade, necessidade e preço - nenhum alemão sai para uma compra maior do que 100€ sem ler pelo menos um artigo na internet de uma dessas revistas sobre o produto que quer e todos os vendedores sempre sabem exatamente listar todas as características do produto que estão vendendo) e voltar para uma sociedade onde o produto é enxergado pelo consumidor como uma chave para aceitação e felicidade dentro de um exclusivo e seleto grupo de escolhidos é no mínimo enlouquecedor, para não dizer frustrante.

E sinceramente, isso me incomoda. A falta de questionamento com o que se consume aqui no Brasil é absurda, principalmente no que diz respeito ao preço. Formação de preços é um tema mega complexo, envolve uma série de outras questões (como, por exemplo, a questão dos impostos), mas o meu objetivo aqui é questionar o ponto de como aceitamos serviços ruins por preços altos. De desde uma Zara (que encaminha o que o Primeiro Mundo não quis consumir - produtos essencialmente de baixíssima qualidade - cobrando preços exorbitantes para ser vendido numa loja onde os vendedores ignoram você e se sentem como parte da elite do "consumer retail" só porque trabalham vestidos de ternos fabricados na Tunísia) até restaurantes (que no Rio de Janeiro, sinceramente, são uma calamidade: uma viagem até SP deixa claro como o atendimento no Rio é nada menos que péssimo, pratos ruins e caros - tudo isso pago com o ar cool tipicamente carioca de quem considera mal educado reclamar de que o serviço foi ruim e decide não pagar os 10%). Consumo, claro, parcelado em 10x no cartão, com taxas igualmente absurdas, mas que no final das contas damos um jeito de pagar e tudo continua exatamente do jeito que está.

Enfim, a leitura do artigo do Tyler Brûlé me faz pensar em que tipo de brasileiros ciceronearam esse cara por aqui, e que tipo de brasileiro ciceronearam vários europeus que eu encontrava pelas capitais européias e que vinham com esse discurso "Brazil is just wonderful / Ipanema is simply THE paradise!", permeados por The Weeks, Reservas, Osklens e Spots da vida. De como realmente, cada vez mais, nos aproximamos daquela imagem do empresário chinês/russo com sua mulher a tiracolo que entra na Louis Vuitton em Paris e pede para descer a bolsa com o monograma mais exposto, mais berrante possível. E como, cada vez mais, eu vejo pessoas ao meu redor pagando preços absurdos e olhando para a minha cara, quando eu reclamo do preço desses produtos, com um certo olhar de "Ou ele é muito judeu, ou isso é síndrome de quem não pode pagar e fica reclamando".

Temos muito mais de Vera Loyola, de nouveau riche do que queremos imaginar. E sinceramente, não quero me conformar com um Brasil onde os serviços, restaurantes e lojas são absolutamente maravilhosos pagando três vezes do que eles custam realmente.

Enfim, tudo se resume a questão de se queremos continuar acreditando que vivemos no lugar mais cool do mundo (e continuar tendo que parcelar absolutamente tudo no cartão, continuar tendo que ir para o exterior para "comer num lugar decente" ou "comprar roupas por preços decentes") ou realmente colocar um pouco dos pés no chão, criar um pouco mais de consciência crítica e quem sabe começar a demandar um pouco mais daquilo que nós é oferecido. (Exemplos? Os infames 10% cobrados por restaurantes e casas noturnas. Gratificação extra é a remuneração por um serviço muito bom - porque o básico necessário, sorry to say, é mais do que a obrigação. Não se sentiu tocado pelo serviço e simpatia do garçom, o prato demorou, o pedido veio errado? Sem 10%, sorriso na cara, obrigado - porque ser educado é fundamental - e ponto final.)

(Enfim, é isso. Opiniões dos leitores, por favor.)

P.S.- Fundamental para a execução desse post também foi a leitura do excelente blog "De Chanel na Laje", principalmente dos posts 1, 2 e 3. Super recomendo.

sábado, 9 de outubro de 2010

A Europa vista a partir da....

Nessa era de paz mundial, todos os países se amando, "Eu amo o mundo, eu sou um cidadão global!" o discurso oficial (válido em todos os países do mundo, menos na França, onde eles abertamente pensam que o resto do mundo se encontra num patamar inferior ao deles - e os que estão economicamente acima se vestem e comem mal, portanto são irrelevantes) é de paz e amor global, de que as nações se amam, blablabla.

Mas nada como um pouquinho de álcool e criatividade para o nacionalismo emergir realmente e apimentar as coisas, néam? :)

O estúdio londrino de design gráfico Alfagraphic fez um mapa estilizado da União Européia para o jornal alemão Süddeutsche Zeitung em Junho de 2009, em meio a crise energética do continente, negociações tensas sobre o gás com os russos e tudo mais. O mapa original (o primeiro dessa série) ficou tão bom, mas tão bom que o pessoal do escritório resolveu fazer uma série mais extensa, com a visão do continente sob a perspectiva de alguns países europeus. O resultado? Confiram aí abaixo:

A União Européia vista pelos próprios europeus
(Destaque para Mar Báltico = Meh Sea, Golfo de Bótnia = Gulf of Abba)

A Europa vista pelos americanos

A Europa vista pelos britânicos

A Europa vista pelos franceses
(Destaque para: Bélgica = Semi-France, Suíça = Semi-France, Hungria = Sarko's Land)

A Europa vista pelos alemães
(Destaque para: Ilhas Baleares = Balearic Germany + Ajudinha para os não familiarizados com o deutsch: Sparkasse = Caixa de Poupança, Proletariat = Proletariado, Schokolade = Chocolate, Schinitzelreich = Reino do Porco empanado, prato típico austríaco que na Alemanha eles acham que veio de Viena e nós de Milão, Eiffelreich = Reino de Eiffel, Schnaps = Álcool extraído de batata e semelhantes).

A Europa vista pelos italianos
(Destaque para: Croácia = Dalmatia, Bulgária = Babysitters, Romênia = Thieves)

A Itália vista pelos italianos
Acabou? Claro que não! No site da para ver as interessantes "A Europa vista..." pelos russos, búlgaros e poloneses. Aliás, ainda tem duas que acho que vale super a pena mostrar. Quais?

A Europa vista pelos gays
(Destaque para: Barcelona = Dancelona, Paris = Mall, Londres = XXL, Berlin = Pobre mas sexy)

E... a América do Sul vista pelos americanos(!)
P.S.- Se alguém der uma gargalhada nível 5 ao ver isso, diz aí, porque é ou não é hilário?! (Ou realmente eu sou tão nerd assim?) :D