Eu sei. Eu também fiquei chocado com as imagens do terremoto + tsunami no Japão. Eu também fiquei impressionado com as imagens de satélite das regiões mais afetadas, do tipo "Antes e Depois", mostradas no site do TheGuardian. Eu também fiquei com o coração partido com as imagens das criancinhas japonesas afetadas por toda a inacreditável desgraça da ameaça de meltdown em Fukushima. (Juro que eu sou das pessoas que mais detestam crianças, meu instinto paternal é simplesmente inexistente e sou felicíssimo por ser gay por não correr o risco de ter esse subproduto das relações sexuais chamado filho... mas imagem de criancinha asiática me desmonta. Dá vontade de apertar até dizer chega, dar um Tamagochi e mandar ela ir brincar com os amiguinhos no parquinho. Fofo demais, néam?).
Mas... "Campanha para auxiliar as vítimas do terremoto no Japão"? Mega concerto para arrecadação de fundos para as vítimas do tsunami? Afeganistão doando US$50 mil dólares, Sri Lanka doando US$2 mi + equipamentos de resgate e medicamentos para o Japão?
Alguns pensamentos (cruéis, é claro) vem a minha mente agora:
1) Japão é a terceira maior economia mundial: Sério, o Japão é uma economia tão chique, tão desenvolvida, tão rykah que eles se dão direito de ter deflação, honey. Não sabe o que é deflação?
2) Japão é o maior welfare state que equilibra qualidade x população atendida: Por que vamos combinar que fornecer hospital, escola, transporte público eficiente, tratamento psicológico (por que desenvolvimento e falta de problema real equals distúrbios psicológicos), moradia decente e estímulos financeiros para as pessoas procriarem para uma população de 9 milhões de pessoas altas, magras, loiras, lindas e suicidas é muito fácil. Outra é você estender esses benefícios para 130 milhões de pessoas.
3) Japoneses são os turistas que mais gastam ao redor do mundo: Todo mundo que já visitou as grandes capitais do mundo sabe – dá muito ódio e inveja ver turista japonês. Eles sempre andam em bando. Mas é um bando diferente dos outros grupos de turistas asiáticos. Nada de casaquinho “Vou pro Pólo Norte” de novo rico chinês. É trenchcoat Burberry, é bolsa Ferragamo, é sapatinho Prada - e tudo isso com aquela pele de porcelana impecável devidamente hidratada com produtos Shiseido. E não é só um: são MUITOS. Todos juntos. Saindo felizes e contentes carregando sacolas e sacolas da Louis Vuitton. Justamente enquanto você sai da H&M carregando uma sacolinha e decide se vai comer no Mac Donalds ou um Döner Kebab na esquina. Mundo injusto. Mundo muito injusto.
P.S.- Fiquei sabendo por um amigo francês uma história de que as lojas da Louis Vuitton em Paris simplesmente recusam-se a vender mais do que duas bolsas da marca para qualquer turista japonês. Segundo ele, mesmo indo de contra às 2542 leis antidiscriminação existentes na França, a Louis Vuitton faz isso como uma tentativa de proteger as filiais japonesas da marca, que em média cobram um preço mais alto pelas bolsas do que as filiais francesas. O que os japoneses fizeram? Já é absolutamente normal para os parisienses serem parados na Champs Elysees por japoneses ensandecidos com centenas de euros nas mãos e implorando para que eles entrem e comprem uma bolsa para eles! (Claro: França não é Escandinávia, e a polícia parisiense já atendeu não-sei-quantos-casos de turistas japoneses que perderam sua grana depois de pararem um estranho na rua e o estranho simplesmente desaparecer com o dinheiro deles.)
4) Japão é um dos principais mercados de luxo do mundo: Senão for o principal mercado de luxo do mundo. Claro, por motivos de status, as grandes maisons tem que filiais em Paris, Londres, Nova York, Milão... (E claro, na Oscar Freire e Garcia D'Ávila, néam? :D) Mas o principal mercado, considerado o mais estratégico para o sucesso ou derrocada de uma marca, seguramente é o japonês. E do tipo, não é só abrir uma flagship store na Omotesandō em Tóquio e acabou - tem que ser um prédio fodástico, assinado pelo baladérrimo escritório de arquitetura Fulaninho&DeSicranon, painéis de vidro que reclinam conforme o momento zen budista do universo e luzes em LED em toda a fachada emitindo a mensagem “Rykeza, Rykeza”. Afinal, toda aquela história de 'cerimônia do chá' (coloca aguinha no copinho com mãozinha em posição de 'lótus-reverenciando-a-cegonha-desafiadora', deixa descansar por 15 minutos – nos quais você deve ficar absolutamente imóvel sentadinho naquela posição de gueixa em cima daquele tatame duro – reverencia a cegonha-desafiadora de novo, dá um micro golinho e coloco o copinho de volta na bandejinha) reflete o apreço nipônico pela “whole experience”, e para eles comprar um produto de grife é mais do que um mero ato de compra, mas todo um processo simbólico de representação do status ocidental.
Será que realmente o Japão precisa tanto de ajuda assim, hein? Sofrimento humano é imensurável e sempre impossível de ser comparado, sempre tem que despertar o espírito de solidariedade que temos na gente... mas sejamos um pouco mais pragmáticos, não é?
Só para terminar: alguém aí sabe o que foi feito do Haiti, hein?