sexta-feira, 29 de abril de 2011

The English Dream

Antes de escrever esse post, eu me peguei pensando em como eu poderia introduzir o assunto que eu quero falar. Eu poderia fazer um enorme post descrevendo o surgimento do conceito de nacionalismo como doutrina e ideologia no final do século XVIII, citar alguns grandes autores e ensaístas da época para dar um respaldo intelectual, puxar um gancho para meter o pau em algum aspecto que supostamente considero decadente da sociedade brasileira contemporânea (acho que alguns leitores mais erráticos do blog realmente acreditam que eu tenho um globo terrestre na minha casa onde todo dia antes de dormir eu espeto uma agulha no mapa brasileiro falando "Terrinha maldita! Deuses da Economia, mandem uma crise para esse país de quinta e façam com que essa classe média medíocre passe a não ter dinheiro nem para passar um final de semana em Pedro Juan Cabellero!", passo a mão suspirando "Um dia eu volto, um dia eu volto..." por todas as estrelinhas douradas coladas sob as capitais européias que eu conheci, desligo a luz do quarto e vou dormir abraçado com um travesseirinho com fronha "I (heart) Europe"), fazer alguma previsão pessimista-deprimente-catastrófica sobre os próximos acontecimentos e terminar o post com uma mensagem de esperança para não deixar os meus leitores muito deprimidos e tentar aliviar um pouco a minha fama de "chato-corta-barato".

Mas obviamente a forma informal de começar a falar o que quero é BEM mais interessante. E enrolar lingüiça para tentar pagar uma de intelectual 'meu-maior-sonho-é-fazer-mestrado-sobre-os-trabalhos-de-(inserir nome de autor de nome difícil, com trabalhos controversos e textos absolutamente impossíveis de ler)' é algo que eu já faço diariamente na minha querida faculdade de Economia, portanto... não preciso fazer isso aqui no blog e... lá vai!

(Primeiro, imagina uma coisa 'campo florido', uma coisa Grieg, uma coisa 'comercial de perfume floral francês'. Foi? Não! Não rola imaginar Holambra porque interior de São Paulo logo vai desembocar em Monteiro Lobato, Sítio de Picapau Amarelo com aquela dona Benta chata entupindo todo mundo de comida gordurosa, tradições do interior brasileiro e quando você menos esperar Barretos vai aparecer e vai foder com o que eu quero que você pense. Tem que ser campo florido de região de clima temperado. Rola imaginar Rio Grande do Sul - se na cidade próxima não tiver Festival da Uva/Maçã/Lichia Fúcsia nem Rainha/Princesa do Festival tentando convencer que vale super a pena viajar até Porto Alegre/Curitiba/Florianópolis, se enfiar num carro por 20503 horas para chegar numa cidade perdida no meio do nada e comer 20504 variações do mesmo legume/fruta nas mais diversas e calóricas possibilidades.)

Em algum momento do século XVIII, as grandes nações européias caíram na real que a lânguida-virgem-e-frágil-camponesa-louca-para-dormir-com-o-tratador-de-cavalos-do-vilarejo era absolutamente iguais na Normandia, na Baviera e na Jutlândia - impossíveis de distinguir uma da outra. Perceberam que precisam denominar uma fronteira, um idioma, uma capital para cada um dos países que eles tinham na cabeça. E claro, o mais importante: inventar uma série de tradições, lendas, mitos e valores que cada uma das queridas nações européias deveria representar.

E nisso os franceses saíram pegando logo o conceito de luxo, sofisticação e finesse (confessa que não dá para imaginar que um lugar com um nome tão chique como "Noisy-Le-Sec dans Seine-Saint Denis" é isso); os alemães, o conceito de burguesia intelectualizada, esclarecida e filosófica (rá-rá-rá); os italianos, a tradição representada pelo Império Romano e a sofisticazione representatta per il idioma italiano; e daí para frente.

Obviamente os ingleses não ficaram para trás. Olharam para o diabo daquelas ilhas chuvosas-e-cheias-de-ovelhinhas, pensaram na bosta que era ainda ter que dividir aquilo tudo com povos super civilizados como escoceses, irlandeses e galeses e ter que fingir que Edimburgo, Dublin e Cardiff super eram tão importantes como Londres. Olharam para o outro lado do Canal da Mancha, viram os franceses dando uma esnobada para eles, pensaram "Isso vai dar merda, temos que unificar essa porra aqui.", até que... provavelmente algum Lorde em alguma sessão levantou a mão e disse "Já sei! Vamos complicar ao nível do absurdo qualquer aparição daquele inútil do Hampton Court Palace! O símbolo britânico vai ser a Família Real! O símbolo britânico vai ser o protocolo!".

Daí já viu: algum inglês perdido em alguma manufatura inventou alguma máquina a vapor que deu meio certo, a Inglaterra ganhou rios de dinheiro, percebeu que o maravilhoso exemplo de administração das próprias Ilhas Britânicas tinha que ser repetido em outros lugares do mundo, simpaticamente convidou a Índia e metade de África para tomar chá todo dia com eles, começou a arranjar quizumba com os franceses, começou a arranjar quizumba ainda maior com os alemães, se fudeu porque o povo missionário-mala do Mayflower copiou todas as máquinas deles e ficou ainda mais bafônico e rych do que eles, metade das colônias resolveram ser pobres e miseráveis sem o passaporte britânico (e ter a emoção de poder imigrar legalmente para o Reino Unido!), Londres passou a ser uma cidade cool-but-not-so-cool-as-NYC e ponto final.

Mas depois de todo esse tempo a merda já estava feita, e o mundo estava convencido: os britânicos eram os representantes mais fleumáticos do protocolo. E as imagens de uma família britânica branca-loirinha-e-dentucinha (absolutamente indistinguível da Família Real da Áustria, Rússia, Espanha ou Alemanha) acenando da sacada do Buckingham Palace, roboticamente impecável-simpática-e-grata-pelos-contribuintes-não-terem-os-decapitado (França tá ali do outro lado, gente!), cerimônias cheias de firulas e sem o menor sentido prático e funcional em democracias modernas e esclarecidas mas que supostamente remetem a tradições milenares criadas no século XVIII e banquetes onde Lordes e Ladies de Cheddarham ou Fuckinghamshire comparecem e as mulheres sustentam absurdos-e-cafonérrimos chapéus correm o mundo. Em nossas simples repúblicas, semelhantes farras faraônicas com o dinheiro público levariam a processos, provocariam indignação popular, impeachments ou derrota do presidente nas próximas eleições. No reino encantado das Ilhas Britânicas? Provocam um suspirinho de "Ah, como é romântico ter uma Família Real como os ingleses tem...".

Semana passada em Paris eu me deparei com um dos periódicos mais lidos das terras gaulesas estampando na capa uma foto de Kate e William e uma manchete "British so Cool". Basicamente uma lista, escrita por jornalistas franceses, dos motivos pelos quais os britânicos eram muito mais cool do que os franceses. Dois minutos de choque (Francês elogiando inglês? Que porra é essa?!) precedidos de uma rápida olhadela ao redor para uma Rue des Martyrs absolutamente deslumbrante sob um céu completamente azul de primavera e parisienses casualmente bem-vestidos comendo+fumando do lado de fora de elegantes pequenos bistrôs e a minha cara de "Como os ingleses são mais cool que os franceses?!". Tudo bem, eu sei: auto-flagelação e reclamar da 'decadência da sociedade francesa contemporânea' são atividades nacionais francesas favoritas e a França não se restringe ao arrondissements elegantes de Paris. Mas ao mesmo tempo (e todo mundo que teve amigos ingleses pode confirmar), por que diabos sempre acabamos associado ao conceito "Britânico" uma imagem fina-refinada-e-trenchcoatiada e nunca a imagem que todo mundo sempre mais vê em Londres?!

Enfim, tudo isso para dizer que acho muito bonitinho as thousands Union Flags espalhadas por Londres, muito simpático todo aquele povo farofeiro-cheio-de-dente-mal-tratado acampando em frente ao Palácio de Buckingham para ver um monte de batedor da Polícia Inglesa cobrindo o Rolls-Royce da noiva, muito interessante o fato de que o vestido que Katherine Middleton irá utilizar é um assunto mais importante para a Folha (e pelo que parece, para o mundo) do que o massacre que as tropas do Gaddafi estão provocando em Misrata. But, engolir soft power britânico e ficar bradando bandeira britânica e suspirando pela pompa e tradição britânicas não rola. Londres é absolutamente imperdível, a Inglaterra é fofissimamente vários dos clichês que eu tinha criado na minha cabeça antes de ir e toda a tradição imperial realmente é legal e vale a pena ser vista e compreendida. Mas comprar esse idéia de que britânico ainda é um povo educado que toma chá às cinco e que é aquela imagem inatingível de formalidade e sofisticação... no way. Não tenho paciência nem saco.

(Que sobrevivemos ao dia de amanhã, dear Lord...)

4 comentários:

Lucas disse...

HAHAHAHAHAHA ri muito com o post. Adorei a foto linkada no "e nunca a imagem que todo mundo sempre mais vê em Londres?!" é tipos MUITO Londres! E muito Dublin tb. Aliás, uma das coisas q eu mais apreciava eram as rachas se vomitando na saída dos pubs e comendo kebabs sentadas nas calçadas. (L)

Thiago disse...

Você daria um hilário professor de história.
Eu, que acho tudo isso uma banalidade - desd'a "instituição" casamento até o programa da Ana Maria Braga ensinando a tomar o chá inglês, estou defecando e andando para o Príncipe William e a Kate Middleton.

Gui disse...

Amo seus textos tipo, pra caralho?

Daniel Cassus disse...

Você sabe que a gente clica no seus links, né?