Os alemaes costumam chamar Hamburgo de “
das Tor zur Welt” (o portao para o mundo). Por séculos de história, a cidade foi o ponto pela qual a tradicional Alemanha das pequenas e médias cidades do interior, da famosa tríade
Marktplatz-Rathaus-Hauptbahnhof (praça do mercado-prefeitura-estacão central) entrava em contato com os mais distantes lugares do mundo através do porto de Hamburgo. Já eu aprendi a chamar Hamburgo de “
Mein Tor zur Welt”. O
meu portão para o mundo. Hamburgo foi a cidade onde o mundo se abriu para mim. A primeira cidade que eu conheci fora do Brasil, o lugar onde eu tive aquele arrepio do típico de quem viaja, mas em uma intensidade que só se tem uma vez na vida: na primeira vez em que você pisa num país estrangeiro.
O filme “Albergue Espanhol” tem uma cena, logo no início, na qual o protagonista Xavier (aliás, personagem que também era economista! :D) olha para as ruas de Barcelona, recém-chegado na cidade, e pensa como todo aquele mundo estranho para ele (nomes, lugares, pessoas) logo iria se tornar algo tao próximo, algo tao parte dele. Eu lembro exatamente dessa sensação quando eu cheguei em
Fuhlsbüttel. Tomamos um táxi do aeroporto para o casa do meu amigo alemão (às margens do
Außenalster), onde deixamos as minhas malas e seguimos para o
Europa Passage porque eu precisava comprar um casaco de inverno (#1 RÁ que eu ia pagar uma fortuna para comprar casaco de inverno vou-escalar-o-K2/ultra-cafona still in Brasil quando poderia comprar coisa MUITO melhor in Deutschland. Passar frio, talvez; barango, feio e deselegante na Europa, never. ;) #2 era sábado final de tarde, e nenhuma loja funciona aos domingos em Hamburgo). Quem conhece Hamburgo, sabe do que eu estou falando: essa rota passa basicamente por tudo aquilo que faz Hamburgo ser Hamburgo. Eu acho que nunca fiquei tao concentrado, tao surpreso, tao em êxtase na minha vida: aquele mundo completamente novo iria se tornar a minha casa pelos próximos 6 meses (na época, eu achava que voltaria ao Brasil em Agosto). Como isso poderia acontecer?!
Onze meses depois, eu ainda me lembro de estar em frente a
Hauptbahnhof, no momento em que eu sabia que seria a última vez que eu veria aquele prédio em muito tempo. Eu olhei para aquele prédio, pensei em tudo o que ele representou na minha vida por um ano (quem morou na Alemanha, sabe: a sua vida é centrada nas Hauptbahnhofs, as estacoes centrais de cada cidade), pensei em tudo o que eu vivi nele. As idas para noitadas na Reeperbahn mesmo em dias de semana, as minhas escapadas para pensar-e-ficar-sozinho em Blankenese, as minhas idas para outras cidades européias, as minhas voltas e a sensação de “Home Sweet Home” que me preenchia cada vez que eu escutava “
Nächste Haltestelle: Hauptbahnhof”. E sinceramente, eu não consegui dizer adeus. Simples assim. Assim como eu não consegui dizer adeus e nem visitar pela última vez nenhum dos outros pontos muito importantes para mim em Hamburgo. Pelo covarde motivo de que eu não conseguiria fazer isso, pelo menos sem ficar triste, sem chorar. Achei que, de alguma forma, não dizendo adeus eles ainda fariam um pouco parte da minha vida. Como a gente as vezes consegue ser irritantemente infantil, não é?! :) Ah, como eu daria tudo para visitar cada um desses lugares pela última vez...
Mas, no final das contas, acabou sendo melhor. Um verdadeiro hamburguês jamais choraria em público.
Nie. Não ia ser na última hora que eu ia estragar tudo. :)
Hamburgo e a Alemanha
A Alemanha tem uma particularidade em relação aos outros grandes países europeus: é extremamente descentralizada. Em outras palavras, não existe UMA cidade que represente a Alemanha da forma que Paris representa a Franca ou Londres representa o Reino Unido (uma forma indiscutível de verificar isso é checando o grau da participação dessas metrópoles no PIB nacional, ou percentual de população nacional que vive nas regiões metropolitanas dessas cidades). Isso acontece basicamente devido a motivos históricos: cada Burg (burgo, cidade) representava o centro de pequenos principados e territórios regionais, cada um com história, cultura e dialeto próprio; e até Hitler (que tentou criar um espírito, inédito até então, de nação alemã), a ideia de Alemanha unificada era nada menos do que uma mera formalidade geopolítica para muitos alemães.
Alguns dizem a Alemanha é dividida por uma cruz: o Norte protestante, o Sul católico, o Oeste capitalista e rico, o Leste ainda se recuperando da experiência socialista. O resultado disso é que, para a “mentalidade alemã”, existem três metrópoles nacionais: Berlim, Hamburgo e Munique (que são as cidades com mais de um milhão de habitantes). Berlim é a antiga capital prussa que foi alçada a metrópole-central do Reich, por incômodas décadas mutilada pelo Muro e que atualmente representa o centro artístico e cultural do país, mas ainda muito atrás das outras grandes cidades no quesito econômico e de negócios. O típico berlinense seria o artista alternativo morando num loft com decoração absurdamente moderna em Kreuzberg. Munique é a rica metrópole do poderosíssimo estado da Baviera, que para os estrangeiros representa todos os clichês que temos de Alemanha, mas que para os alemães representa quase um país a parte (os dialetos bávaros são completamente incompreensíveis para os outros alemães) com o qual a maioria deles não se identifica. O típico habitante de Munique seria o homem de negócios, conservador e bem sucedido, com um comportamento um tanto-quanto bling bling, do tipo que vai esquiar logo ali, nos Alpes suíços ou austríacos, dirigindo sua Mercedes. Frankfurt? Frankfurt na verdade é nada mais que uma cidade média (500 mil habitantes – população de Juiz de Fora!) que tem o destaque internacional que tem por ser o caixa-forte da Alemanha e principal ponto de entrada do país, pelo aeroporto gigantesco nos arredores da cidade (#veneninho mode on: na verdade, os alemães em geral desprezam Frankfurt, por considerar a cidade chata, com os seus arranha-céus cheio de bancários comportadinhos demais no meio de uma cidade sem muita coisa divertida para fazer).
E Hamburgo? Hamburgo representa o ponto de contato da Alemanha com o mundo, por onde a Alemanha escoou sua produção e recebeu tudo o que importava do além-mar, a tradição hanseática do mar do Norte (a sigla HH, presente nas placas dos carros de Hamburgo vem de
Hansenstadt Hamburg, ou Cidade Hanseática de Hamburgo). Essa história faz com que Hamburgo se pareca em muitos aspectos mais com Copenhague e Danzig do que com Frankfurt ou Munique. Hamburgo olha para o mar, Hamburgo deve o seu sucesso econômico ao mar (as salas da Prefeitura tem enormes painéis exaltando a tradicao marítima da cidade). E essa tradicao de cidade hanseática dá a cidade um sentimento muito forte de independência, self-importance e certa superioridade em relacao ao resto da Alemanha (os hamburgueses ironicamente dizem que para eles, Berlim já é o Sul da Alemanha). Durante os anos de Alemanha dividida, Hamburgo perdeu muito da sua importância como porto, mas assumiu boa parte do papel econômico e cultural de Berlim para com o país, e atualmente “devolve” aos poucos esse destaque tomado de uma forma não muito satisfeita (o hamburguês típico sempre tem uma rivalidade saudável com Berlim). Mesmo assim, atualmente a cidade é ainda o centro da mídia alemã (as principais editoras e canais tem seus QG's na cidade), sede de 3 grandes conglomerados empresariais (Beiersdorf, Otto e Tchibo), um dos mais importantes centros aeroespaciais do mundo (a Airbus é uma das maiores empregadoras na cidade) e
somente é a regiao metropolitana mais rica da Europa depois de Londres e Bruxelas.