O meu Rio de Janeiro não tem muito glamour não. Não tem praia perto, não tem calçadão nem ciclovia para dar pinta e muito menos vista para o Pão-de-Açúcar. Na verdade, o Cristo está literalmente de costas para o meu Rio de Janeiro.
O meu Rio de Janeiro ficava longe, bem longe da linha 1 do metrô (aliás, metrô com ar condicionado funcional é um conceito desconhecido por aquelas bandas). O meu Rio de Janeiro ficava longe, muito longe e se chega de trem – de preferência com um pacote de
Torcida e uma lata de Skol na mão para “ajudar o tempo a passar”. Leblon? Gávea? São Conrado? - com certeza Acre e Marte ficam mais perto.
O meu Rio de Janeiro era o de tomar banho de mangueira na rua (falta de pudor rules, néam?), ralar joelho andando de carrinho de rolimã e pular o quintal do muro do vizinho para pegar manga. Playground? Get a life, playboy!: nada como uma tarde de sábado inteira jogando
bandeirinha com todas as crianças da tri-state area e chegar em casa praticamente afro-americano, bater aquele pratão de bife, arroz, feijão e batata-frita e cair na cama. O meu Rio de Janeiro era o do dia mais esperado do ano ser 27 de Setembro, dia de São Cosme e São Damião, quando a gente acordava mais cedo do que nunca e já pelas 8h tava na rua com sacolas plásticas gigantes (Casa&Video!) checando onde já estavam distribuindo doces, e no final do dia a gente chegava em casa, despejava toneladas de marias-moles, pes-de-moleque e gamadinhos em bacias gigantes e ficava a semana inteira comendo aqui (#1: Cara, imagina pegar doce em dia de São Cosme e São Damião com twitter?! #2: Depois de um tempo, sempre a maria-mole ficava com gosto de doce de abóbora, que ficava com gosto de cocada, que ficava com gosto de bananada...). O meu Rio de Janeiro era o que a gente sabia quando o Carnaval estava chegando não pelo fluxo de turistas gringos nem pelos ensaios do Monobloco, mas pelas hordas de
bate-bolas que invadiam as ruas (os mais capitalizados com fantasias lindas e coloridissimas, os mais “financeiramente desfavorecidos” colando tiras de jornal ou sacos plásticos em calças e camisas, criando um efeito plástico ainda sim fantástico).
O meu Rio de Janeiro era o de que o máximo da elegância era ir a Barra da Tijuca (!) e fazer compras no Barra Shopping (!!) . Aliás, o meu Rio de Janeiro era o de onde na época do Natal toda família ía sempre ver aquele maldito Castelo da Cinderela! :D O meu Rio de Janeiro era o de lugar de comprar roupa “social” era na “
A Impecável Roupas” (onde eles seguramente não tinham calças skinny!). O meu Rio de Janeiro era o das
Óticas do Povo (Morou? :D) e da maldita “Linha Jovem” que assombrou metade das crianças que tinham que usar oculos nos anos 90. O meu Rio de Janeiro era o do máximo da excitação era a Madureira fazer compras de material escolar para o ano escolar que se aproximava (lembram de um estojo escolar meio multiretratil que era tipo um tijolinho fino, com uns botoes que voce apertava e ploft! saia o apontador, a parte de colocar os lapis e canetas, e nos mais sofisticados ate um mini- termômetro?!). O meu Rio de Janeiro era o de qualquer pesquisa escolar, maldito trabalho de artes ou qualquer coisa ligada a papel e impressao sempre dava pra resolver na
Silbene (e que no verão ainda tinha uma raspadinha de groselha e um sorvete de casquinha MARA!).
Falando em comidas, o meu Rio de Janeiro era o do melhor caldo-de-cana e pastel de queijo (na verdade, somente um teaser de queijo, neam?) sempre se encontrava na estação de trem mais proxima. O meu Rio de Janeiro era o que me acostumou com grandes custos-beneficios alimentencios, e que ate hoje me gera um quê de revolta na hora em que eu paro em algumas lanchonetes mais phynos do eixo Copa-Leblon e vejo aqueles salgados tao pequenos, tao caros! O meu Rio de Janeiro era o do Angu a Baiana vendido na barraquinha da pracinha,
cuscus (que no Rio é branco e tem côco) sendo vendido pelo invariavel velhinho que vinha apertando uma buzina e dos cachorro-quentes e X-Tudão que vinham com absolutamente tudo o que possa ser pensado. O meu Rio de Janeiro era o das “festinhas de aniversário” fodásticas e de chamar a rua inteira (porque classe C gosta de compartilhar com a galera e muita fatura, honey! :D), as mais chiques e importantes sempre servindo estrogonofe de frango com batata-palha em pratinhos de plástico. O meu Rio de Janeiro era o de onde as tias empurravam mais um prato porque elas sabiam que voce tinha gostado e estava com vergonha de pedir. O meu Rio de Janeiro era o dos cajuzinhos... :)
Talvez a maioria dos leitores desse post não entenda muito bem o Rio que eu acabei de descrever acima. Como eu falei, ele fica longe, bem longe de Ipanema, Copacabana e qualquer lugar da Zona Sul. “A Grande Familia” tenta imitar, mas sempre soa meio fake e clichê como se todo paulistano trabalhasse no mercado financeiro e morasse na Paulista ou todo catarinense fosse invariavelmente gostoso-e-surfista. Esse Rio fica longe, coisa de mais de uma hora de viagem do Centro, realmente na PUTA-QUE-PARIU. Bem, eu falei que era o meu Rio, não é? :)
Depois de 24 anos como morador da Campo Grande (entremeados por alguns periodos morando perto da faculdade na Zona Sul e claro, pelo louco ano na Europa), finalmente chegou a hora de olhar para aquilo tudo e dizer simplesmente “Adeus”. A casa onde eu cresci a vida inteira foi vendida, minha mãe partiu para a Costa Verde em busca de um pouco mais de qualidade de vida e eu acabei voltando para a Zona Sul. Se disesse que não queria que isso tivesse acontecido estaria mentido pra caralho: thanks god, no more viagens de mais de uma hora para ir ou voltar, vizinhos escutando funk nas alturas e ter que me deslocar mais de 20km para encontrar livraria/café decente/cinema passado um não-blockbuster.
Mas foi estranho olhar para a minha casa, olhar para aquele bairro e perceber que eu não posso falar mais que “moro” em Campo Grande. Por que? Não consigo explicar. Da mesma forma que não consigo explicar porque quando estava em um parque em Estocolmo, um pouco mais de um ano atras, sentado com suecos lindos-loiros-elegantes-e-desenvolvidos (juro gente, o cabelo deles brilhava ao sol. Muito odio, muita inveja!), só conseguia lembrar dos pagodões na laje promovidos por alguns vizinhos (e por alguns membros da minha familia SIM, tenho que confessar!). Da mesma forma que quando passeava pelas vitrines das elegantes lojas de ternos bespoke da Savile Row lembrava da “A Impecável Roupas”. Da mesma forma que quando comecei a vislumbrar a Torre Eiffel da Quai d’Orsay eu cafona-e-ridiculamente chorei, porque lembrei das longas viagens de onibus em que eu passei estudando frances ou lendo revistas de viagem e imaginado como seria conhecer outros paises e outras culturas, enquanto olhava pela janela e via a realidade que era tao banal e comum para mim.
Acho que no fundo aquela historia de “Voce pode tirar o cara do subúrbio, mas não pode tirar o subúrbio do cara” pode ser verdade.
E de boa? Que bom que seja assim. :)