Eu ainda me lembro da primeira vez em que eu vi todo mundo: foi na visita a igreja Michaeliskirche, no centro de Hamburgo. Era um típico dia hamburguês de março: chuvoso, frio e com muito vento. Eu cheguei atrasado, vestindo o meu casaco preto mais informal (quando eu cheguei na Alemanha, comprei dois casacos de inverno: um sobretudo de la pesada para ocasiões mais formais e um preto de corte mais informal para o dia-a-dia) e o meu cachecol listrado de la quentinha (comprado na New Yorker por inacreditáveis 3,99EUR – o meu primeiro cachecol na Alemanha!). Encontrei o meu buddy student, Florian (jogador de futebol americano, 2,05m, 110kg, uma montanha de músculos e o melhor abraco de amigo que pode existir no mundo) e comentei como eu estava feliz de finalmente conhecer os outros estudantes estrangeiros. Afinal, fazia um mês que eu estava na Alemanha! A excitação inicial de estar no exterior já tinha sido substituída por um sentimento incomodo de solidão e tédio por não ter muita coisa (na verdade, nada) para fazer. Eu queria amigos, eu precisava de amigos!
O primeiro de quem eu me lembro bem é do Francisco, o mexicano-americano. Californiano, alto, forte, irritantemente bem-vestido, irritantemente bonito e cool, tirando fotos com a sua câmera Canon profissional modelo XYZ2038, na porta de igreja. O objeto das fotos? O quarteto sueco: Emma, Charlotta, Karen e Lovisa – irritantemente nórdicas, loiras, lindas, altas, magras e cool. Acompanhando tudo, a dupla explosiva espanhola Marta e Elena: irritantemente latinas, irritantemente magras, bem-vestidas (Elena sempre usava um curtíssimo bandage dress acompanhado de altíssimos tacones. Qualquer outra mulher naquela roupa ficaria com cara de puta-da-Atlântica. Ela conseguia ficar incrivelmente sexy, mas ao mesmo tempo incrivelmente elegante e deslumbrante). E cool. Olhei para aquele grupo cool com uma ponta de inveja e pensando “Fudeu: jamais vou conseguir ser cool o suficiente para ser amigos deles!”.
Continuei falando somente com o Florian, subimos a torre da igreja, descemos depois de 5 minutos quando percebemos que o frio glacial que fazia lá em cima era insuportável (para não pagar mico de brasileiro-que-nao-aguenta-frio, fingia que estava tudo bem enquanto quase congelava. Na hora em que as finlandesas chegaram implorando para descer eu percebi que podia confessar que não aguentava mais aquele frio todo e fomos todos procurar um local mais quentinho). Na porta da igreja, o grupo cool united (californianos + suecas + espanholas) decidiram dar um perdido no grupo e ir conhecer sozinho lugares mais interessantes. Os roteiros dos passeios oficiais eram sempre nos locais mais chatos possíveis (o próximo passeio seria no “Mundo de Miniaturas” - até hoje tenho ódio quando penso que gastei 9EUR para ver miniaturas de Hamburgo e Berlim), e somente os nerds ficavam até o final. O Florian era um nerd, eu me senti na obrigação de continuar com ele, e enquanto seguia para o próximo lugar com a animação de uma mosca drosófila, vi o grupo cool indo embora e pensava como eu queria ir com eles, ser um deles.
Depois de um outro lugar que ninguém achou interessante, o grupo acabou se dispersando e o Florian comentou que teria que ir para casa terminar uns trabalhos. Eu pensei “Ah não!! quando pensei que passaria mais um fim-de-tarde sozinho em casa, assistindo MTV e comendo torrada com nutella no sofá. O Florian comentou que tinha escutado que haveria um jantar dos estudantes estrangeiros na casa do Francisco naquela noite, no qual todo mundo iria. Menos eu, que não tinha sido convidado (afinal, naquela época eu não morava na residencia estudantil, mas no apartamento do meu amigo na beira do lago Alster). O Florian me animou para ir... mas como eu poderia ir se eu nem sequer sabia onde o jantar seria? Foi aí que eu lembrei: eu tinha o telefone da Kimberly, a holandesa simpática (que, assustada e coagida impressionada com o meu “Oi, meu nome é Fernando! Vamos ser amigos?” aceitou trocar telefones comigo)!
O Florian tinha ido embora, eu estava de frente a um telefone público, moeda de um euro na mão e uma pergunta: devo ou não ligar? Segundo as regras dos bons costumes, jamais se liga auto-convidando para um evento para o qual você não foi convidado (mais atestado de “I am a loser + stalker” impossível). Se no Brasil eu jamais faria isso, ainda mais no Norte da Europa: imagina se ela simplesmente risse na minha cara e dissesse que não tinha mais espaço na mesa?! Mas por outro lado, eu não queria ficar sozinho naquela noite. Já estava começando a ficar triste por não ter ninguém para conversar – toda noite, sozinho, calado. Eu ia ficar pra sempre essa situação?! Os códigos de etiqueta e “o que/o que não fazer” na Europa eram tao diferentes dos do Brasil que quase sempre eu não sabia como agir e entrava em panico. Apesar disso, de uma coisa eu tinha certeza: sem coragem e um pouco de Peroba's oil ninguém chega a lugar nenhum. E para isso que eu estava na Alemanha.
Eu disquei o número, eu me auto-convidei, a Kim foi um amor e meia hora depois estava ajudando todo mundo na cozinha. O Francisco me deu um abraco de boas-vindas e falou que era muito bom encontrar mais um latino-americano naquele grupo. As suecas elogiaram o meu jeito de vestir e eu fiquei impressionado em descobrir que eu não tenho sotaque nenhum quando tento falar sueco (sabia que a minha vocação era pra homem loiro!!!). As espanholas berraram de felicidade (¡Fernando! ¡Fernando!) quando descobriram que podiam falar em espanhol comigo e não precisavam ficar tentando arranhar frases em inglês (sempre lembro da Lovisa falando com cara de indignada “But how do they study here?! They simply cannot speak English at all!” hehehe). Os californianos começaram a falar de praias, surf e de como eles queriam conhecer o Rio de Janeiro. E eu tive uma noite maravilhosa: conversas incríveis, pessoas incríveis, clima incrível. No meio do jantar, olhei para a mesa absolutamente internacional e pensei como eu tinha batalhado para estar lá. E como era bom tudo aquilo.
Seis meses depois eu e o Francisco nos tornamos amigos praticamente inseparáveis, com ele me apresentando para todo mundo como “his boyfriend in a non-sexual relationship” :D. Eu e a Lovisa nos tornamos melhores amigos, e até hoje nos impressionamos com essa coisa maluca de duas pessoas de partes do mundo tao distintas terem tanta coisa em comum. A Karen foi para Hamburgo somente para se despedir de mim e chorando me fez implorar que eu iria para Estocolmo de novo visita-la algum dia em breve. Marta me recebeu na sua casa quando eu fui a Madrid, e juntos com Elena fomos a las fiestas que me proporcionaram os maiores porres (e ressacas) que eu já tive na minha vida.
Um ano depois (exatamente um ano depois do início daquele semestre de Erasmus) estou eu de volta ao Rio de Janeiro, ao meu quarto, sentando na minha cama, escrevendo e revendo fotos desses amigos. Olhando ao redor e pensando como tudo é tao diferente de Hamburgo, como EU sou tao diferente do que eu era com eles em Hamburgo. Olhar para as fotos me faz resgatar um pouco daquela pessoa que eu era. E perceber que o Fernando que embarcou para a Alemanha é completamente diferente daquele que voltou.
Agora bateu uma mega orgulho de falar português, sabe? Bom saber o significado da palavra “saudade”... Nostalgia de um tempo que se foi e que nunca mais poderá voltar. Afinal, Hamburgo nunca vai ser de novo como naquele semestre de verão de 2009. Eu juro... eu dava tudo para poder viver aquilo mais uma vez! :D Sentar numa mesa, olhar ao redor e ver um grupo só de amigos: todos completamente diferentes, todos com tanta coisa em comum.
Mas talvez... seja bom que as coisas sejam como são, não é? Call me idiot, mas eu acredito que a magia da vida está nos encontros. Encontros com pessoas, que dentro de um universo de outros encontros que não significarão absolutamente nada na sua vida, simplesmente irão se destacar e de alguma forma significar alguma coisa para você. Isso vai de desde o amor da sua vida até um cara que entrega folhetos de igreja e que falou algo que te... tocou: esse tipo de encontro que eu estou falando.
Eu tive a sorte de ter um encontro com todo um grupo de pessoas assim, e aprendi o máximo que eu pude com eles (ah, se eu aprendi!). Deve estar na hora de procurar os próximos encontros, não é? :D
10 comentários:
Você quer fazer seus leitores chorarem,não é? Seu safadinho!
Adorei esse texto, o melhor do blog ate agora, na minha singela opiniao. Estou vivendo algo parecido na Europa desde Junho do ano passado. Em Junho desse ano completo 1 ano aqui e vou pro Brasil. Preciso decidir se fico apenas de holidays - 1 mes - e volto pra ca, ou se volto de vez pra terra Brasilis.
Tenho quase certeza que soh vou pra passar 1 mes msm. Esse 1 ano aqui passou tao rapido. Aposto que o seu na Alemanha tb.
E vc trate de atinar pra poder ir visitar os miguxos no velho continente o qto antes. Meu ex-namorado, na epoca em que ambos nao podiamos nos ver on a daily basis, dizia algo que nunca esqueci: o melhor da saudade eh o reencontro.
Também achei um dos melhores textos até agora. O combo da minha fase deprê + esse post nostalgia meets carpe diem me fez quase chorar.
E esse texto é tão leve e despretensioso.
Sabe, eu li seu blog desde o começo e sempre quis saber como foram seus primeiros meses, o que vc sentiu e como se adaptou. Sempre tive essa curiosidade.
fernando, seu estágio foi pela IAESTE ?
Quando estava no 4° ano da faculdade eu queria ir para a Alemanha. Minha faculdade tem (tinha, me formei faz um ano) algum tipo de convênio com o DAAD e todo ano manda gente pra lá. Mas conversei com uma amiga do estágio que foi e disse que a bolsa não era suficiente, e eu não tinha grana pra me manter lá. Acabei desencanando, meio que me arrependo até hoje.
Suas histórias são ótimas, quando leio até parece que vivenciei os momentos! Espero que você ainda tenha muito o que contar.
@whateveer: Escolhinha dificil, hein? Mas como as coisas são? Carreira deslanchando na Europa, ou no Brasil as chances profissionais parecem mais interessantes?
E digamos que eu estou testando essa teoria do seu ex por esses dias. :D
@Álvaro: Obrigado pelos elogios! E acho que vao rolar alguns revivals por aqui dos meus tempos de início de Alemanha, portanto voce poderá tirar suas dúvidas. :D
@Curioso: Nao foi pelo IAESTE não. Foi na cara-de-pau mesmo (currículo, enviar para empresas, entrevista por telefone, etc). E conselho: SUPER funcionou, mais do que IAESTE (ouvi falar que os estágios deles são não-remunerados, não é?)
@J: Ah, mas pelo o que eu ouvi falar, a bolsa do DAAD é por volta de uns 600EUR por mês, não? Dependendo da cidade, e dos seus planos (claro, Ritz-Carlton não vai rolar, mas um hostelzinho em cada cidade super dá), super daria.
Europa pode ser BEM menos caro do que parece, querido. Já moramos num lugar caro pacas...
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