terça-feira, 8 de junho de 2010

A Parada

Domingo passado (ou seja, ontem!) aconteceu a Megga, a Ultra, a superlativa Parada Gay de São Paulo. Se eu estive lá? Of course not: quebrado financeiramente, tomando créu velocité 5 na faculdade (todo dia quando chego naquela merda de campus e vejo o pessoal intelectualizado, todo trabalhado no tênis Vans e chapinha “From UK” de Jornalismo discutindo seriamente se Hori é melhor do que Restart no corredor da faculdade eu juro que dá ódio por ter marcado Economia naquela merda de cartão do vestibular e uma felicidade que aquele bando de incompetente vai ficar desempregado mesmo porque qualquer merda pode assinar como jornalista hoje em dia!) e RÁ que eu me mandaria para SP justamente na época de migração em massa da homo bombadius-ipanemensis para o habitat Jardins-Consolação, transformando os meus queridos locais tão paulistanos (Bella Paulista: teu brunch humilha qualquer boulangerie de Paris, qualquer padariazinha organico-vegan-low-fat-low-fun do Leblon. Meus ataques bulímicos são só teus, tsá? :D) em um Farme de Amoedo menos protetor solar/sunga da Aussiebum (como alguém consegue usar aquela coisa cafona, meodeos?) e mais roupa preta. (Afinal, carioca acha que é urbano, é cosmopolita, é São Paulo usar preto. E não dá para usar preto no Rio. Sem parecer uma galinha d'angola morta de despacho derretendo sob o implacável sol de meio-dia de Bangú). E como eu tenho um mundo de fotos atravancando a porra do meu HD, não aguento mais ler-discutir-falar-pensar sobre Economia, porque não falar do meu assunto mais preferido de todos : o meu tempo na Alemanha?! (*leitores fazem “Ah naaaão!!! Ainda esse tema?!”, Fernando vira, toma um golinho do seu Söderblanding Tea, joga o cachecol para trás e digita com o indicador “A porra do blog é meu.”). Vamos tomar o Porsche do tempo e voltar para... a minha experiência na Parada Gay de Hamburgo! :D

Situando no Tempo-Espaço
Era Julho, era verão alemão (ou seja, o povo deficiente na melanina tudo pirando no salsichão, tudo louco pra estocar vitamina E e topando QUALQUER programa ao ar livre para curtir os dias de sol), era o meu quinto mês em território alemão. Tava numa bad mood FUDIDA: trabalhando horrores no grande escritório da grande empresa alemã, tinha acabado de terminar com o deutscher FDP (Rest in Peace, Hurensohn!) e sem amigo nenhum pra encher a cara e chorar as mágoas porque todo o povo do Erasmus tinha voltado pra casa depois do final do semestre (e eu demorei uns 7 meses para entender que até pra enfiar o pé na jaca com alemão tem que marcar com 2 semanas de antecedência e ligar no dia anterior confirmando). Resumindo: tava carente, tava piriguete, tava querendo ser-solteiro-em-Salvador. Em Hamburgo. (*RÁ irônico).

Preparações
Meu melhor amigo alemão me vendeu a Parada como O evento gay da cidade. E até que parecia: primeiro, uma mega campanha de mídia (com atores alemães brincando com a questão de gênero sexual e mostrando o tema da parada, que em 2009 era a queda da definição de gênero sexual que consta na constituição alemã), mega cartazes pela cidade divulgando as palestras temáticas da semana que antecedia o evento (viado alemão é muito intelectual: AMAM um simpósio, uma palestra, um colóquio – tudo sentadinho, com oculozinho de croco , discutindo por duas horas as “idiossincrasias de dar ou não dar pinta no período nazista” muito polidamente, mas tudo louco para sair dali, entrar logo no primeiro clube SM e dar para 30 turcos bem-dotados todo trabalhado numa burca de couro). Na Lange Reihe (a rua da gay de Hamburgo que tem o sugestivo nome de “GRANDE Fila” :D), todas as lojinhas (incluindo inocentes pet-shops, lojinhas de chá e produtos naturais e o restaurante tibetano) devidamente decoradas, e as revistas Schwulissimo (AMO esse nome. Poderia ser traduzido como “Viadíssimo”) e Hinnerk eufóricas listando mil e uma coisas para se fazer no dia da CSD hamburguesa. Portanto, eu criei expectativas. Eu achei que iria ser o máximo. Eu achei que seria uma excelente oportunidade de superar de forma madura e saudável a minha bad mood alemã: pegando um monte de pessoas completamente desconhecidas, com as quais eu não teria absolutamente nada em comum, mas teriam a importante função de me fazer sentir gostoso pra caralho.

Coitado de mim.

A Parada em si
Carros de som tinham aos montes. Bicha muito feia supersiachando também (sabe a melhor maneira de identificar uma legítima bee chucrute-com-ovo? Cabelinho moicano descolorido + bronze “Valentino says Hallo”. Aliás, bronze nein: ALARANJADO. Sério, não sei de onde aquele povo tirou que Oompa-Lumpa é fashion trend a ser seguida). Decoração mega blaster toda trabalhada no arco-íris, natürlich. Bebida por todos os lados? Claro (Alemanha sem álcool não funciona, lieber!). Mas o clima? Completamente diferente de tudo o que eu tinha visto de Parada Gay até então.
Primeiro, é bom explicar que a Parada é um evento dentro todo um calendário de uma semana de atividades montado por uma comissão que passa o ano inteiro focada em só realizar a CSD Hamburg. Claro, a Parada é o ponto alto da semana, quando todo mundo quer ir pra rua paquerar, se divertir, pegar um sol, e para isso é montada uma mega estrutura digna de Carnaval no centrão da cidade (bares, festas acontecendo nos barcos ancorados no lago, cafés com programação especial, restaurantes com bandeiras do arco-íris). E para curtir essa estrutura toda, o dia anterior a Parada e o dia posterior a Parada continuam sendo dias de Straßenfest (Festa de Rua), mas o momento da Parada é absolutamente e essencialmente político. Como assim? Melhor explicar usando a minha experiência na parada.
Assim que eu cheguei, deu para ver que tinham algumas coisas bem semelhantes com o que rolava no Brasil: tinha os trios elétricos (inclusive o trio elétrico da minha boate preferida, a Moondoo, veio com a poderosérrima travadoor brasileira-mas-nao-gosto-de-latinos lá no topo, toda bafônica e trabalhada na atitude “Eu sou muito foda!”), tinha muita bebida por todos os lados (Alemanha sem álcool não é Alemanha: se faltar cerveja em qualquer evento público naquele país é capaz de eles cometerem uma chacina até liberarem um tonel pra cada um), tinha gente toda trabalhada no piriguetismo e no glitter boom típicos do nosso querido mundo gay. Tava animado, tava legal. Mas aos poucos, as diferenças e os choques culturais iam aparecendo. O primeiro? Ver o carro do FDP (Freie Demokratische Partei – Partido Democrático Liberal) e ver que um PARTIDO POLÍTICO tinha metido um carro no meio da Parada. O segundo? Receber de um dos cabos eleitorais que vinham no chão esse simpaticíssimo sticker aí acima (que sim, significa o que vocês entenderam!) e ficar com a cara de “WAS?” enquanto ninguém ligava muito, afinal aquilo tudo era sehr normal para eles (5 minutos depois, quem vem? O carro do CDU – Uniao Democrata-CRISTA – distribuindo adesivos semelhantes, com políticos sorridentes distribuindo folhetos sobre os grupos de defesa dos direitos gays existentes no partido).
E daí pra frente, a surpresa só continuou: os trios elétricos estavam lá, mas eram 10% dentro de um mar de 90% de gente no chão, carregando plaquinha mesmo, cada um defendendo o seu quinhão. De memória, que eu consiga lembrar, tinham coisas como o Grupo de Jovens Gays de Hamburg-Nord (por sinal, eu morava do lado do escritório dessa instituição, e sempre passava pela porta justamente quando todo mundo esperava a sessão semanal de quarta-feira começar. Como bom piriguete carioca, sempre passava trabalhado na Pokerface, sempre levava uns bons olhares e como eu acredito que a gente tem que apoiar a bee do futuro, sempre respondia com um sorriso e seguia em frente :D), Policiais Gays da Polícia de Hamburgo (ninguém muito gostosão, mas todo mundo devidamente fardado), Grupo de Pais e Mães de Gays (momento mais fofo da parada: todo mundo aplaudindo as mães/pais com os seus filhos carregando placas com mensagens anti-homofobia). Ah, tinha o lado spice da Parada: os grupos de defesa dos praticantes de “atividades sexuais heterodoxas” (meaning: SM, Fist Fucking, Role Play, Pet Play, e todo o “etecetera” que na Alemanha se estende por uma longuíssima lista). Confesso: nesse momento o meu lado “latino-conservador-querendo-bancar-o-santinho” abriu a boca e não conseguia fechá-la, e o meu lado mais liberal ficou absolutamente passado com a coragem do pessoal de meter a cara e vir pra rua fantasiado de cavalo, porco, cachorrinho sexy, carregando cartaz “Eu quero ter direito a exercer a minha sexualidade da forma que eu quiser!”.
Enquanto isso, você se pergunta: e na platéia? E no povão? E a pegação? Bem, durante todo o trajeto da Parada, eu só vi dois casais se beijando. DOIS. Todo mundo tava bem alegre, todo mundo curtia horrores os trios, as tendas de música eletrônica, mas todo mundo parava e prestava atenção nos grupinhos mais politizados que passavam, entre goles de espumante e/ou cerveja. E isso durou todo o trajeto da Parada. Nada de gente vomitando, nada de tumulto, nada de gente quase transando em público. Nada. Durante a Parada. A Parada termina no endereço mais nobre da cidade (a Jungfernstieg, tipo a Oscar Freire/Avenue Montaigne do Comércio de Luxo da Alemanha), onde vários mini-bares estão montados, e onde a galera começa a relaxar mais um pouco, tirar a camisa (mas nem tanto: a maioria acha essa hábito The Week meio sem educação por aquelas bandas, mesmo que você tenha o corpo perfeito) e curtir o dia de sol (se estiver sol, é claro). Alguns barcos promovem festas particulares, mas sinceramente, o melhor acaba sendo mesmo ficar na rua, indo de um stand de boate para outro, tomando uma boa cerveja, curtindo o visual, porque todo mundo tá fazendo o mesmo. A paquera? Não rola, afinal alemão é em geral bastante tímido, bastante reservado, responde mal ao approach brasileiro-argentino de “Vemcáputão”, não curte dar show em público (ao menos que eles tenham pago para entrar num clube de pessoas que curtem isso :D), portanto piriguetismo não rola. No meu caso: terminei a parada no maior 0x0, agarrado a minha terceira garrafa de espumante, todo colado de stickers Aktiv/Passiv, conversando civilizadamente com os meus amigos alemães (mas para não dizer que também sai completamente liso acabei me fazendo de difícil e trocando telefones com um dinamarquês que trocava olhares comigo há séculos em vários lugares da cidade que por coincidência calhávamos de estar ao mesmo tempo, tsá?!). Mas sinceramente, completamente fascinado ao pensar que onde cerca de 60 anos atrás bandeiras nazistas tremulavam (e gays eram enviados para campos de concentração) acontecia uma manifestação tao moderna e liberal de expressão da sexualidade humana.

Conclusões
Falando sério, não espero que as Paradas brasileiras se tornem exatamente o que as alemãs são. A cultura, a forma de batalhar por direitos, de se expressar, de conseguir evoluções na sociedade são completamente diferentes, e acho que o nosso natural dom de fazer festa, de animar qualquer ambiente, o nosso joie de vivre é um ponto forte que define quem somos, que não pode ser mudado, não deve ser mudado. Não é algo natural da nossa cultura se reunir em pequenas organizações e a partir daí batalhar por direitos, e ponto final. Mas ao mesmo tempo, acho que a fórmula atual das paradas gays brasileiras (megas festas populares) é muito pouco para as ambições que estão na hora de termos dentro do movimento gay brasileiro. Chega a ser irônico pensar que a maior parada do mundo tem efeitos políticos quase irrisórios - acho que isso explica o esvaziamento quase total dos “gays mais esclarecidos” da parada, que sinceramente não tem saco para ver aquele bando de gente caindo de bêbada enquanto gritam “Eu respeito o amor livre!” e ter alguma esperança que aquilo adianta alguma coisa na defesa dos direitos. Como eu falei acima, é uma questão de ambição: seja talvez a hora de parar de ficar surpreso e estupefato com o espaço que nos foi cedido, com a possibilidade de realizar UMA parada gay e pensar na parada que realmente é melhor para os nossos interesses.

8 comentários:

Liquidificador disse...

Adoro seu blog, comentários, reminiscências e jogos de palavras.
Dia desses, descobri seu blog e li do primeiro ao mais recente post.
Por mim, pode retornar sempre às suas histórias germânicas.
Até a próxima...

Lucas disse...

Hahhahaahahha ótimo post!
Eu fui na parada gay de Dublin ano passado nessa mesma época. Foi o dia mais quente e com mais sol de todo verão deles. Achei a parada legalzinha, não tenho referencias (nunca fui em nenhuma aqui no Brasil) e curti a vibe de ser mais uma luta política do que um bacanal a céu aberto.

È só a galera aqui achar o meio termo e com certeza a Parada (e as Paradas) vão ser mais relevantes.

Thiago Lasco disse...

Depois de um post hilário como sempre, uma boa conclusão. Assino embaixo.

Agora imagina se o disponivel.com reeditasse os adesivos aktiv-pasiv... com certeza eles teriam que fazer tb um 'prefiro-não-dizer', na mesma cor azul... rs

Tito Melo disse...

Fer, simplesmente um dos melhores posts já escritos por vc!! Gostei demais.

Guy Franco disse...

Curioso, pensei que as Paradas pelo mundo fossem pegação, como a daqui.

Quem curte horrores um trio, curte bem?

Alexandre Lucas disse...

Demora...

Don Diego De La Vega disse...

Bom, mas na do Rio esse ano vc vai? Quero ver o post q vc vai fazer sobre o assunto...A zona vai ser mais ou menos como aquele empurra-empurra do carnaval em que estivemos...

Esse na foto com vc...vc não explicou no texto quem é. Apenas um amigo alemão?

Mudando de assunto radicalmente, posso dar uma sugestão jornalística? Seus textos estão cada vez melhores, mas a fonte bem pequena em parágrafos enormes dificulta um pouquinho a leitura.

Que tal então criar mais parágrafos e diminuir o tamanho dos períodos/frases? Acho q ajudaria bastante :)

Fernando disse...

Liquidificador: Fico feliz que voce tenha curtido o meu blog. Olha que nem todo mundo entende de cara as minhas ironias, hein!

Lucas: É, acho que o esvaziamento da Parada é um dos sinais de que esse modelo de parada-bacanal já vem perdendo a força...

Introspective: É né? Juro não entendo essa coisa de que "brasileiro é um povo sexualmente liberado"! Parece que todo mundo quer bancar a Charlotte, quando na verdade tá louco pra deixar a Samantha sair (vai ver a série que você entende a referência!).

Ítalo: Grazie! É falar sobre viado que todo mundo gosta, néam?! :D

Guy Franco: Quem curte horrores um trio vai depois, quando a parada já chegou ao final. Os clubes de Hamburgo montam uns espaços de convivência ao ar livre (nada dessa paranóia de coleirinha VIP) com música e bebidas alcoolicas bem legais. Durante, é ficar na calçada vendo o desfile (=parada) passar.

Alexandreo: Reclamando, Sr Rh do Inferno?! O blogueiro aqui não é um paulistano bem sucedido não, mas um fudido estudante de graduação, tsá? :D Faculdade tem horas tá PHODA.

Don Diego: Nem por um caralho cravejado de diamentes, como diria a saudosa Vani. Aglomeração, gente suada, trombadinha assaltando todo mundo. Para algumas coisas, o meu lado Odete Roitman fica SUPER on.

Sobre o blog, Diego, eu diminui a fonte um tempo atrás porque pessoalmente curto fontes menores, acho que fica melhor. Os paragrafos enormes acabam sendo reflexo da síndrome de economista: tudo tem que ser explicado com LOOOONGAS frases. Eu juro, eu já tentei sintetizar, deixa mais leve, menor... mas sempre quando fazia isso levava mais tempo do que escrevendo o texto. Depois disso, liguei o foda-se e postei esses textos gigantes mesmo. Eu sei, muita gente jamais vai ler por achar grande demais. Mas blog... é por diversão mesmo, né?

Mas fica tranquilo, vou tentar seguir suas dicas jornalísticas. :D