sábado, 10 de outubro de 2009

O passado continua aqui



Uma das coisas que mais me fascinam na Alemanha é como a história do século XX sai das páginas dos livros e vai para a vida real.
Ontem, fui a casa de um amigo alemão (de uns 30 anos) fazer um pré-night básica antes de sairmos. Vodka vai, vodka vem, Fernando impaciente enquanto o meu amigo ficava naquela conversinha melosa com o novo quase-namorado dele (aquela mesma do tipo "Ai, desliga você primeiro... Ah não, desliga você..." - essa porra realmente é internacional), começo a dar uma folheada em algum dos livros dele. Eu pego um da história da Guerra Fria e começo a folhear mais atentamente. Ele desliga o telefone e pergunta se eu achei o livro interessante. Respondi "Claro" (com vontade de emendar "Honey, eu vou de Vogue a Eric Hobsbawm, tá?") e ele conta "Te contei que eu nasci na Alemanha Oriental, não?".
E o cara me conta a história da família dele: a avó morava em Königsberg, antiga Prússia Oriental. Ao final da Segunda Guerra Mundial, o exército Vermelho começava a avançar em direção ao Oeste, e o pânico tomava conta das populações alemãs na Europa Oriental - depois da matança promovida por Hitler em território soviético, os Vermelhos estavam sedentos por vingança. A avó desse meu amigo participa da operação de evacuação da Prússia Oriental, deixando a pequena vila dela (onde, segundo o meu amigo, nenhum alemão sobreviveu depois da conquista vermelha), e partindo em direção a Alemanha, navegando num mar Báltico cheio de submarinos aliados. Chegando na Alemanha, ela foi para a Turíngia (Alemanha Oriental), o posteriormente vive o drama de viver separada da filha dela, que tinha ido para uma cidade que ficara na Alemanha Ocidental.
E a história do meu amigo em si também não é menos carregada de história: depois de se separar do marido, a mãe dele, que morava também na Turíngia, decidiu tentar escapar para a Alemanha Ocidental. A fronteira húngaro-austríaca tinha sido aberta. Havia uma chance. Sem levar nada a não ser as malas com roupas, sem contar ao ex-marido dos planos - porque, segundo o meu amigo, o pânico da Polícia Secreta alemã era tão grande que era impossível saber em quem se poderia realmente confiar, e caso ela fosse denunciada, ela seria presa - ela decide "passar férias" com os filhos no litoral da Bulgária (para onde eles poderiam viajar sem autorização, por estar dentro do bloco comunista) e de lá pegam um trem para a Romênia e então outro para a Hungria. Já na Hungria, eles pegam um táxi até a fronteira, onde atravessam a pé para a Áustria. E para começar tudo do zero na Alemanha Ocidental.
Por isso que ele fala que toda vez que vê a Queda do Muro em Berlim, ele de alguma forma se emociona e chora. E que sempre quando ele escuta falar sobre refugiados, ele sempre pensa na família dele e como foi difícil começar tudo de novo. Mesmo sendo na mesma Alemanha.
Nessa hora, eu estava com aquela cara de "Como assim?". E depois disso, saímos, bebemos e nos divertimos.
Mas o pensamento de que a Alemanha, mesmo com todas as diferenças culturais, é simplesmente um lugar incrível não saiu da minha cabeça. E de alguma forma, eu relembrei do imenso privilégio que é estar aqui.

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